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zlpeixoto

Tenham cuidado com os vossos computadores. Não os pousem sobre as almofadas do sofá; não os pousem no chão, atrás da porta; não os pousem sobre livros mal equilibrados. Não lhes peguem com uma mão enquanto carregam alguma coisa com a outra; não os enfiem debaixo do braço enquanto vão regar as plantas na varanda; não os segurem enquanto analisam a validade dos iogurtes no frigorífico ou enquanto põem o assado no forno. Não os deixem ao alcance das crianças, dos animais de estimação ou daquela pessoa que anda sempre às arrecuas. Não os esqueçam por baixo do edredão da cama por fazer. Não os pousem no cantinho da banheira. Não lhes virem as costas sem confirmar que estão bem.

Tenham cuidado com os vossos computadores porque basta um instante. A história desse instante é sempre patética. A banalidade de todos os pequenos detalhes virou‑se contra nós para criar esse instante. De repente, acontece o que ninguém imaginava. A realidade ganha um filtro de nitidez, as pequenas preocupações desaparecem, apagam‑se.

Tenham cuidado com os vossos computadores porque dá uma dor fininha, uma angústia nos poros. É como uma impressão raspada nos dentes, um ácido a corroer os olhos. Depois, esforçando‑nos por aceitar e ser práticos, chega o momento em que começamos a tentar apreender tudo o que está lá dentro. É demasiado. E ficamos, paralisados, sob uma chuva de imagens avulsas, de excertos de textos ou de vídeos: jpg, doc, pdf, mov, etc.

Portátil. Ao acreditarmos nessa palavra, esquecemos muito. Talvez seja sempre assim. Ao sabermos uma coisa, ao acharmos que sabemos, estamos a ignorar outra. O conhecimento é físico, ocupa espaço, pode cair se não tivermos cuidado.

Quando chegamos à oficina, levamo‑lo com todo o cuidado que não tivemos. Como se carregássemos um filho inanimado nos braços, estamos dispostos a tudo. Por favor, senhor doutor. E vamos ter de o deixar lá, na incerteza. Acabaram as escolhas no mundo, estamos à mercê. Afastamo‑nos e falta‑nos segurança em tudo o que fazemos. Seremos capazes de aguentar o peso deste tempo?

Tenham cuidado com os vossos computadores. Não são máquinas, são outra coisa.

[Publicado originalmente na edição de 12 de fevereiro de 2017]