Portugal está na moda? Portugal não está na moda? As respostas a estas perguntas não são simples, e nelas residem algumas das questões que se nos têm colocado nos últimos anos – a nós, à nossa economia e à nossa comunidade. Toda a gente já percebeu que Portugal está na moda, sim. A velocidade a que aparecem notícias e reportagens nos media estrangeiros prova-o – ainda esta semana, no aeroporto, a caixa da Fnac exibia orgulhosamente a National Geographic e a Geo com capas recentes dedicadas ao assunto do costume, ou seja, Portugal está na moda. O jornal The Observer, versão de fim de semana do diário inglês The Guardian, publicou uma imensa reportagem sobre como Lisboa é cool e atrativa para os milhares de estrangeiros que já cá vivem.
Apesar de toda a degradação paisagística e arquitetónica que o país sofreu nos anos 1970 e 80 – e, porque não dizê-lo, também 90 – e a que quem passeia nas ruas das cidades e pelas estradas portuguesas não poderá ser alheio, mesmo que venha com os olhos prontos para o embevecimento, Portugal parece guardar aquilo que faz que os viajantes estrangeiros se encantem. Sempre me surpreendeu como é que isto acontece.
A verdade é que as nossas cidades conseguem manter este encanto, apesar de estarem praticamente irreconhecíveis mal se passa para além do centro histórico. Isto acontece sobretudo em Lisboa – vide o péssimo exemplo da Av. Da República onde praticamente todos os prédios da sua construção foram arrasados para construir mamarrachos dos anos 1980. E talvez seja a explicação simples para o facto de os turistas estarem completamente concentrados no centro histórico – e não saírem dele, sequer, para ir até à Gulbenkian que, sim, tem coisas para mostrar.
Esta concentração causa dores de cabeça aos responsáveis do turismo, mas pode bem ter esta explicação racional e até lapalissiana: o resto da cidade estragou-se e os turistas têm mais preferência por lugares bonitos, ainda que estejam a perder a alma, do que por lugares simplesmente feios e com a alma esventrada. Mas a degradação também passou pelas pequenas cidades do interior – e o mesmo não acontece, definitivamente, quando visitamos pequenas cidades do centro da Europa. Ninguém pode, também, comparar uma viagem numa qualquer estrada de França e uma numa estrada portuguesa – com a primeira a ganhar aos pontos em serenidade, beleza, preservação da paisagem natural e arquitetónica.
Portugal esteve tanto tempo fora dos radares do turismo mundial que acabou por preservar algumas caraterísticas que se tornaram interessantes para este.
A reflexão sobre estas questões, embora dolorosa, pode fazer-nos evitar dissabores futuros e prolongar a permanência de Portugal na moda. É preciso ter bem claro na cabeça que grande parte do encanto de Portugal tem que ver com algo que não controlamos: o clima e a posição natural e geográfica do país. Aliás, a reportagem do The Observer começa precisamente por aí, falando dos estrangeiros que desembarcam em Lisboa e ficam maravilhados por viverem numa cidade onde podem fazer surf todo o ano e trabalhar ao mesmo tempo. E quando digo ao mesmo tempo é no mesmo dia, uma vez que a Costa de Caparica fica a dez, quinze minutos do centro, sobretudo fora das horas de ponta da 25 de Abril.
Há outra razão que todos, a quem tal é perguntado, invocam para Portugal estar na moda: a autenticidade. Ou seja, Portugal esteve tanto tempo fora dos radares do turismo mundial que acabou por preservar algumas caraterísticas que se tornaram interessantes para este. E, embora entre essas caraterísticas estejam também tascas imundas em becos esconsos e rendas baratas em prédios a cair, ou seja, coisas a que não atribuiríamos nenhum pendor positivo, outras são mesmo interessantes, como a simpatia dos habitantes, ou o facto de os nossos centros históricos estarem ainda habitados por «locais», em vez de serviços e turistas, como já aconteceu com todas as outras grandes cidades.
E é aqui que reside, precisamente o busílis da nossa questão com o turismo e com o facto de Portugal estar na moda: poderemos resistir a esta máquina poderosa e avassaladora em que se tornou o turismo mundial? Essa máquina de guerra cultural que tem como tropa avançada as divisas e hordas de gente a entrar pelas nossas fronteiras? Poderão as nossas cidades permanecer «autênticas» e «genuínas» – e nesse sentido continuar a atrair os turistas que nos começaram a pôr no mapa? Ou teremos de nos habituar a que o turismo é, como outras, uma força de mudança que nos há de transformar para sempre noutra coisa qualquer, não pior, mas pelo menos diferente?
Nas respostas a estas perguntas reside grande parte do que seremos, nos anos desta nova era. Era bom que soubéssemos responder-lhes com as nossas respostas, porque de outra forma elas vão ser-nos impostas pelas circunstâncias