Ciúme: acabe com esse sentimento de uma vez

Texto de Cláudia Pinto | Fotografia Shutterstock

Só te vestes dessa maneira para sair com os teus amigos? » «Quem é essa tua amiga que põe likes a toda a hora no Facebook?» «Era preciso colocares uma fotografia tão exposta no Facebook?» «Com quem estavas a falar ao telefone?» «Com quem almoçaste hoje?»

Estas são apenas algumas das muitas perguntas que fazem parte do quotidiano de uma pessoa ciumenta. Shakespeare chamava-lhe «o monstro de olhos verdes» (em Otelo), Cervantes escreveu que «os ciumentos olham sempre para tudo com óculos de aumento, que engrandecem as coisas pequenas, agigantam os anões e fazem que as suspeitas pareçam verdades».


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O tópico é intemporal mas nem sempre é fácil defini-lo. «O ciúme é uma manifestação encriptada da dúvida e da insegurança», diz Rosa do Amaral, psicóloga clínica, responsável por consultas de intervenção familiar na Clínica Europa – Private Hospital, em Carcavelos. E ainda que nem todas a gente viva o ciúme da mesma forma, a verdade é que este tem por base «estruturas de personalidade», explica a especialista.

Apesar de algumas pessoas afirmarem convictamente que não são ciumentas, há algo de natural neste sentimento. «O ciúme está presente na relação humana no sentido de que, se temos uma relação com alguém, queremos que a mesma tenha a sua unicidade, seja algo de especial ou que nos torne em seres únicos», diz a psicóloga.

Daqui à idealização de relacionamentos como os descritos nos contos de fadas vai um pequeno passo. «Há a ideia de que a outra pessoa nos vai dar tudo o que precisamos e que o relacionamento irá alimentar tudo o que somos», acrescenta Rosa do Amaral.

Se o ciúme domina os dias não permitindo «viver além deste sentimento», há que procurar ajuda, aconselha a psicóloga rosa do amaral.

E de repente, o(a) companheiro(a) também é dos outros. «O facto de ser também uma pessoa do mundo pode causar insegurança», diz. Lidar com esta realidade depende novamente da personalidade de cada um. «Se na nossa personalidade, tivermos alguns níveis de insegurança, de carência, de vazio, iremos desejar que a outra pessoa nos dê um palco que assegure que as nossas inseguranças serão respondidas.»

É o típico efeito bola de neve: «Quanto mais insegura uma pessoa está, mais próxima quer estar da outra pessoa. Quanto menos se achar atraente ou menos segura for a sua autoestima, quando menos gostar de si, mais precisa que a outra mantenha o seu bem estar num determinado nível.»

Por outro lado, quem tem uma personalidade mais «confiante, forte, e uma elevada autoestima, mais facilmente deixará o outro ir, ainda que com conta peso e medida, pois existe sempre algum receio», defende Rosa do Amaral. É precisamente este ponto que é focado no livro Ciúme: O Lado Amargo do Amor (ed. Gente), de Eduardo Ferreira-Santos.

O psicoterapeuta brasileiro refere que, em algumas consultas e conversas que teve com pacientes, a pergunta mais frequente que já lhe fizeram foi: «Não é natural o ser humano sentir ciúme por medo de perder a pessoa amada?»

O psicoterapeuta responde que sim mas que prefere classificar o ciúme como «insegurança porque nenhuma relação humana é 100% segura». E é neste evoluir da desconfiança que surgem inicialmente «demonstrações de posse que podem apimentar o relacionamento mas que se tornam, com o tempo, cada vez mais descontroladas pelo medo de se perder a pessoa amada», escreve o autor.

Enquanto o ciúme for equilibrado, não virá mal ao mundo. O problema surge quando deixa de ser natural e começa a comprometer uma determinada relação.

Além do «ciúme biológico», aquele que se relaciona com as características individuais e de personalidade, existe aquele que resulta do «ambiente e das histórias previamente vividas, surgindo como um sintoma. Se uma determinada pessoa já traiu, o ciúme passa a ser um sintoma da desconfiança. Há quem não consiga voltar a confiar em determinada pessoa por já lhe ter traído a confiança ou até já esteja noutra relação mas também não consiga confiar devido à bagagem negativa que trouxe de relações anteriores».

E pode algum nível de ciúme ser benéfico? Para a psicóloga clínica Catarina Lucas, a resposta é afirmativa. Segundo a sua dissertação de mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde, publicada em 2011 pela Universidade da Beira Interior, o ciúme moderado pode «ter um caráter protetor da relação». Os resultados indicam que «são as mulheres que possuem maiores níveis de ciúme e menores índices de satisfação sexual.

São também os sujeitos mais velhos, casados e que possuem uma relação com maior duração, que possuem níveis mais baixos de ciúme e menores índices de satisfação sexual. Além disto, os sujeitos que relatam a existência de problemas no relacionamento evidenciam níveis de ciúme mais elevados e índices de satisfação sexual mais baixos».

Enquanto o ciúme for equilibrado, não virá mal ao mundo. O problema surge quando deixa de ser natural e começa a comprometer uma determinada relação. Isto pode acontecer quando passa a fazer parte do dia-a-dia e em permanência. É que é possível adoecer por ciúme, assegura Rosa do Amaral, pelo que há que estar atento aos sintomas: «O ciúme começa por agitar a pessoa durante o dia, num grau de grande angústia, e a causar insónias de noite.

Não raras vezes é preciso o apoio de uma equipa multidisciplinar havendo a necessidade
de aliar a terapia farmacológica com a terapêutica.

Quando a pessoa não tem um sono reparador, tem mais tendência de aumentar os pensamentos recorrentes. Pode surgir também falta de energia, aceleração do batimento cardíaco, perda ou ganho de apetite, desinteresse pela vida, entre outros sintomas.»

E serão estes sinais suficientes para procurar ajuda especializada? «Os sintomas físicos podem levar à automedicação, como, por exemplo, a toma de paracetamol para as dores de cabeça. Quando surge um susto cardíaco, há a tendência de procurar ajuda mas nem sempre é fácil perceber que se está a adoecer do ponto de vista mental. Por vezes, são os outros que aconselham a procura de ajuda», explica.

Quando o ciúme passa a dominar os dias não permitindo «viver além deste sentimento», há que procurar ajuda. Seja de que tipo for. «O ciclo é vicioso: os pensamentos tornam-se obsessivos, fazem-se filmes, tenta-se controlar o outro ao máximo e perde-se a tranquilidade. Nesta fase, o ciúme pode levar ao fim de um relacionamento e até à perda de emprego.»

É precisamente em situações limite que muitos dos pacientes de Rosa do Amaral chegam à sua consulta. «Muitas vezes, chegam tardiamente e quando já se encontram num sofrimento profundo. É difícil encontrar um ciumento que procure ajuda antes do momento em que já precisa de medicação.»

«Costumo dizer aos meus doentes que mesmo que não haja nada para encontrar, encontra-se sempre alguma coisa que pode deixá-los desconfortáveis», diz Rosa do Amaral.

Não raras vezes é preciso o apoio de uma equipa multidisciplinar havendo a necessidade de aliar a terapia farmacológica com a terapêutica. Por outro lado e independentemente da medicação, «a ajuda psicoterapêutica é necessária para que a pessoa perceba o que está na origem do seu problema, para que saiba como se pode controlar o que já se instalou e para que seja possível iniciar um processo de mudança».

E quando surge a tentação de aceder ao Facebook e ao telemóvel do(a) companheiro(a), está lançada a semente para a dúvida. «Costumo dizer aos meus doentes que mesmo que não haja nada para encontrar, encontra-se sempre alguma coisa que pode deixá-los desconfortáveis.» O melhor remédio passará por «evitar abrir determinadas portas. Quem quiser fazê-lo, tem de estar preparado para o que vai encontrar e aprender a lidar com isso.

É de evitar. Se o fizer, pode não estar preparado para perceber que poderá ter de lidar com partes em si de que não gosta: algumas pessoas surpreendem-se com um lado ciumento que não sabiam que tinham. Abriram o Facebook ou acederam ao telemóvel do(a) companheiro(a), viram algo e repetem o comportamento, tornando-o num vício. A partir daqui, geram-se comportamentos que podem sair do seu controlo, porque passará a não ser suficiente ver só uma vez», alerta a psicóloga.