Distinção internacional para neurocientista português que estuda o cérebro

Texto NM | Fotos de Jorge Simão

Tem sido um longo caminho de estudo para tentar perceber esta nossa capacidade de mudar o mundo. Criamos máquinas, edifícios, automóveis velozes, mas como se inicia uma ação de forma espontânea? O que a determina e como a repetimos? Como ganhamos uma capacidade que foi aprendida, embora pareça inata? Tem sido, de facto, um longo caminho a descobrir o porquê de haver pessoas que não conseguem iniciar ações espontâneas, como os doentes de Parkinson. Mas a persistência de Rui Costa está a dar frutos.

O investigador principal na Fundação Champalimaud é hoje distinguido com a Medalha Ariëns Kappers pelo seu trabalho ao nível do controlo dos movimentos voluntários – que pode conduzir a novas terapias em doenças como a de Parkinson, Huntington ou Síndrome de Tourette. Uma distinção bem merecida, segundo o Instituto de Neurociências da Holanda (NIN), entusiasmado com o trabalho seminal sobre o controlo dos movimentos desenvolvido por Rui Costa. Em concreto, explica, o cientista português «descobriu mecanismos essenciais nos gânglios da base [uma área do cérebro], que são responsáveis pelo controlo da iniciação e das sequências de movimentos voluntários».

Um ponto comum a todas as doenças que afetam estes gânglios da base – doença de Parkinson, de Huntington, síndrome de Tourette (a chamada “doença dos tiques”) e outras – é o facto de os doentes não conseguirem controlar os seus movimentos. «A investigação fundamental de Rui Costa fornece justamente uma base para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas contra doenças como a Parkinson, as perturbações do espetro do autismo e as perturbações obsessivo-compulsivas», esclarece o NIN.

A honra que agora lhe cabe, ao receber a Ariëns Kappers, só lhe dá ainda mais vontade de alcançar tudo o que puder sobre a neurobiologia da ação, na saúde e na doença.

Após receber o galardão atribuído pela Academia Real de Artes e Ciência da Holanda desde 1987, em homenagem ao neurologista holandês Cornelius Ubbo Ariëns Kappers – o primeiro director do Instituto Central de Estudo do Cérebro da Holanda (de 1908 a 1946), entretanto rebatizado NIN –, Rui Costa dá uma conferência intitulada Generating and shaping novel action repertoires (algo como Geração e formação de repertórios de novas ações). Antes dele, outros neurocientistas de renome receberam este prémio, entre os quais o português António Damásio e os norte-americanos Gerald Edelman e Michael Gazzaniga – todos agraciados em 1999. A honra que agora lhe cabe só lhe dá ainda mais vontade de alcançar tudo o que puder sobre a neurobiologia da ação, na saúde e na doença.

Natural da Guarda, licenciado em Medicina Veterinária pela Universidade Técnica de Lisboa em 1996, Rui Costa foi o primeiro investigador nacional a receber, pela segunda vez, um financiamento do Conselho Europeu de Investigação. Aos 41 anos (tem hoje 44), foram-lhe atribuídos mais dois milhões para estudar o chunking, um mecanismo cerebral que nos permite organizar memórias e ações. «O dinheiro internacional é mais regular, por isso já não concorro a financiamento em Portugal», diz o neurocientista, que pertence ao Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud desde 2009.

Depois de em 2002 se doutorar em Ciências Biomédicas pela Universidade do Porto e pela Universidade da Califórnia, Los Angeles, fez o pós-doutoramento em Neurobiologia na Universidade de Duke (em Durham, Carolina do Norte). Entre 2006 e 2009 liderou a secção de Neurobiologia da Ação nos Institutos Nacionais da Saúde nos EUA. Então, regressou a Portugal.

«A minha inclinação inicial para veterinária aconteceu porque gostava de comportamento animal e comecei a investigar a amamentação», conta. Uma coisa levou à outra: ao perceber que as crias ficavam mais tempo a mamar numa glândula da mãe se ele lhe injetava oxitocina (a hormona que provoca a secreção de leite), trocando de glândula caso ele a bloqueasse, descobriu que aquele é um comportamento aprendido, não inato. Pertencia já ao campo da neurociência, onde se sente como peixe na água.

«Dentro de uns dez anos talvez possa haver novas terapias para as doenças ligadas a estes circuitos da ação que temos vindo a estudar», prevê o investigador, esperançado. Pela parte que lhe toca, fará os impossíveis para desvendar os insondáveis mistérios do cérebro.