Como o cérebro constrói e destrói memórias durante o sono

Texto de Sara Dias Oliveira

O nosso cérebro é um poço de mistérios, mas a ciência vai descobrindo processos interessantes. Os cientistas conseguiram demonstrar que a nossa mente armazena algumas lembranças durante o sono e elimina outras.

O que acontece durante o dia pode navegar na cabeça durante a noite. E as memórias ganham força ou enfraquecem consoante os estímulos que acontecem durante as horas do sono.

Um novo estudo da universidade de Barcelona revela que o cérebro ativa redes de memórias que estejam relacionadas entre si durante o sono. Se as memórias estiverem associadas, ou seja, se tiverem força dentro da cabeça, são lembradas, caso contrário são esquecidas.

O cérebro tem um mecanismo que preserva informações consistentes e repetidas que podem ser úteis no futuro

Há um mecanismo no cérebro que preserva informações consistentes e repetidas que podem ser úteis no futuro e que esquece o que não é frequente. É todo um processo que ajuda a que não haja interferências na memória no futuro.

É impossível lembrar de tudo. E assim o cérebro decide as recordações que guarda ou elimina, a mente reativa as redes de memórias durante o sono e só resistem as recordações fortemente associadas.

É um processo natural, mas há maneiras de o induzir de forma artificial, ou seja, é possível associar um estímulo sensorial, que pode ser um aroma ou um som, à memória durante o sono. Se essa memória for associada a uma lembrança, ela é reforçada. Caso contrário, é apagada. Através deste processo artificial, os cientistas encontraram o mecanismo neural que reforça ou enfraquece memórias individuais na rede de memórias.

Seríamos tão infelizes se nos lembrássemos de tudo como seríamos infelizes se não nos lembrássemos de nada

Um artigo no jornal espanhol El País dá conta de uma investigação que está a ser feita sobre este assunto no laboratório de Lluís Fuentemilla, na Universidade de Barcelona, em Espanha.

Aqui estuda-se o processo pelo qual as memórias formadas durante o dia são consolidadas durante o sono. A autora principal do estudo, Javiera Oyarzún, refere ao diário espanhol que “seria ineficiente se pudéssemos lembrar de tudo”. “Sempre que a mente quisesse recuperar informações concretas, teria que inibir todas as lembranças irrelevantes, o ruído”, acrescenta.

O esquecimento pode ser benéfico neste caso e há quem afirme que seríamos tão infelizes se nos lembrássemos de tudo como seríamos infelizes se não nos lembrássemos de nada.

“Ao eliminarmos as memórias que não são frequentes, evitamos interferências de memória no futuro”

Alunos da universidade participaram na última pesquisa, durante a hora da sesta. Antes de fecharem os olhos, os alunos tinham de memorizar a localização de 15 pares de cartas com letras e desenhos de animais, instrumentos musicais, e transportes. Depois uma carta de cada par mudava de lugar, eram reproduzidos sons das letras, e nas cabeças dos alunos formavam-se dois conjuntos de memórias.

Durante o sono, os sons eram reproduzidos ao acaso, a memória era ativada para lembrar a posição das cartas. De associação em associação, resistiram as lembranças que tinham mais força.

Os cientistas criaram ainda dois grupos: um que fez os dois exercícios com as cartas seguidos, sem intervalos, e outro que esperou três horas entre um e outro. Os participantes do primeiro criaram uma associação mais forte do que os do segundo.

Desta forma, as memórias reativadas durante o sono ajudaram a consolidar as recordações que estavam intimamente associadas, como aconteceu com a localização das cartas. As memórias mais fracas, sem associações, são esquecidas.

“Ao eliminarmos as memórias do nosso ambiente que não são frequentes ou são inconsistentes, evitamos interferências de memória no futuro”, diz Fuentemilla, ao El País.