Cancro da mama: poderão as mulheres cegas ajudar no diagnóstico?

Notícias Magazine

Texto de Marcelo Teixeira

Chama-se Discovering Hands e é uma empresa social alemã que utiliza o sentido tátil aprimorado de mulheres invisuais para detetar, precocemente, irregularidades nos tecidos mamários. Está a funcionar na Alemanha e na Áustria, tem projetos-piloto na Índia e na Colômbia e no próximo ano vai chegar a Lisboa. A ideia é simples: contratar mulheres cegas para fazerem apalpação a outras mulheres e poderem detetar, em fases embrionárias, potenciais cancros de mama.

Fundada em 2012 pelo ginecologista alemão Frank Hoffmann, o projeto não se tenta substituir à medicina, antes quer complementá-la. «Estas mulheres são assistentes e não fazem qualquer diagnóstico», diz à Notícias Magazine. «Mas combinar o conhecimento científico com as capacidades táteis pode ser muito positivo para o paciente».

O maior desafio de Hoffmann foi, nas palavras do próprio, «encontrar profissionais que dessem formação a estas mulheres». Então a organização encontrou um modelo de preparação para as examinadoras invisuais. «Há um curso de nove meses que as torna examinadoras táteis clínicas. Estão vocacionadas para detetar os tumores mais pequenos.» Por um lado querem reduzir o impacto de um cancro que mata cada vez mais, por outro garantir emprego a uma das comunidades que menos acesso tem ao trabalho: os invisuais.

Contestação médica

A ideia da Discovering Hands não é consensual. Celeste Alves, radiologista da mama no Centro Clínico e de Investigação da Fundação Champalimaud, adverte «que o cancro da mama precoce nem sempre é palpável».E que esta ideia pode não ter real utilidade.

A unidade de radiologia mamária do IPO de Lisboa vai mais longe e diz que este projeto «não tem qualquer fundamento científico. O diagnóstico precoce de cancro da mama pressupõe a identificação de tumores que ainda não são detetáveis à palpação, mas que podem ser diagnosticados através de exames de imagem como a mamografia, ecografia e ressonância magnética».

Lynne Archibald, que fundou a Associação Laço depois da morte de uma amiga para esta doença e hoje angaria capital para apoiar projetos de investigação na área do cancro da mama, também tem dúvidas. «É louvável procurar conjugar dois problemas para solucionar necessidades sociais, mas tenho muitas dúvidas que venha a ter real impacto na área de prevenção».

«Isto não é para substituir nenhuma máquina ou as mamografias. Serve para melhorar a qualidade dos exames táteis».

Hoffmann tem resposta pronta para a contestação. «Em país nenhum no mundo se passará a oferecer, gratuitamente, mamografias». Estes exames táteis, que ele próprio começou a aplicar nas suas consultas, não seriam mais do que um instrumento básico e complementar dos métodos tradicionais.

«Isto não é para substituir nenhuma máquina. Não é para substituir as mamografias. Serve apenas para melhorar a qualidade dos exames táteis.» Até porque 20 por cento das incidências ocorrem em mulheres com menos de 50 anos – que têm peitos menos maleáveis e com maiores densidades e são por isso mais difíceis de detetar.

A caminho de Portugal

A chegada a Lisboa da Discovering Hands está a ser preparada pela Stone Soup, uma empresa que abraça projetos sociais em três eixos: desemprego jovem, desemprego de longa duração e crianças em risco. Cláudia Pedra explica que «cerca de 75% da população invisual em Portugal é desempregada e este projeto vai mais longe, e procura também reduzir a taxa de mortalidade do terceiro cancro mais mortífero em território nacional.»

Em Portugal há em média 11 novos casos e 4 óbitos por dia por causa do cancro da mama.

Hoffmann está entusiasmado com o potencial de implantação em Portugal. «O serviço nacional de saúde é um dos melhores da Europa e, se conseguirmos articulá-lo com este projeto, pode ter grande alcance». As vantagens parecem-lhe óbvias: «Se o cancro for detetado num estado prematuro, poupam-se cerca de 87 mil euros em cada caso.»

Segundo o relatório da OCDE Health at Glance: Europa 2016, uma em cada nove mulheres é diagnosticada com cancro da mama ao longo da vida. E, destas, um terço acaba por morrer da doença. Em Portugal, segundo a Liga Portuguesa Contra o Cancro, há em média 11 novos casos e 4 óbitos por dia. Todos os anos é diagnosticado este tumor a seis mil portuguesas. Hoje é Dia de Luta Nacional Contra o Cancro da Mama.