Cá dentro e a porta ao lado

Notícias Magazine

No Regent’s Park, em Londres, há um mosaico com azulejos de pétalas roxas. Foi lá colocado pelas famílias das vítimas, no primeiro aniversário dos atentados de 7 de julho de 2005. No ano passado, dez anos depois dessa homenagem – dez anos levam a esquecer quase tudo –, um grupo de oito barbudos com túnicas entrou no Regent’s Park e, num relvado aberto à vista do mundo, prestou homenagem à bandeira do Estado Islâmico. No fim da cerimónia, um polícia ainda discutiu com um dos fãs do terrorismo, mas sem mais – cada um seguiu caminho. As cenas foram filmadas pela rede de britânica Channel 4, que fazia uma reportagem intitulada Os Jihadistas da Porta ao Lado.

Há 60 anos, quem morava ao lado era o pecado sob as formas de Marilyn Monroe, há um filme sobre isso, de Billy Wilder, o da loira que passa sobre um respiradouro do metro nova-iorquino e deixa esvoaçar o seu vestido cor de marfim. O pecado, apesar de próximo e tão desejado, não foi consumado. O tipo casado que despachara a mulher para férias e estava obcecado pela vizinha só sonhou com ela, não mais. O ator maluco que fez esse papel, Tom Ewell, acabou numa carreira modesta. Nesse tempo, os pecados eram veniais e o castigo correspondente, fechava-se só os olhos.

Hoje, os pecados são: degolar reféns, violar mulheres, fazer-se explodir à saída de espetáculo para adolescentes, esmagar pessoas nas pontes. Tudo isso aqueles fiéis do Estado Islâmico consideram digno de estima. Dir-se-á, eles limitam-se a ter opinião benigna sobre esses terríveis atos, mas não os praticam – por isso a pena também é suave, deixa-se andar. Ora, um dos piedosos barbudos de Os Jihadistas da Porta ao Lado, Khuram Butt, de 27 anos, tendo a polícia e a sociedade deixado andar, na semana passada acelerou numa ponte de Londres contra peões. Parou a furgoneta e, mais dois colegas, atirou-se a estripar pessoas com longas facas. Sete mortos, 48 feridos.

Os três tinham coletes falsos, simulando serem explosivos. Talvez uma condição atenuante (atropelam e esquartejam pessoas mas não as rebentam), o que levou uma jornalista espanhola a dizer aos telespetadores: «Os três supostos terroristas foram abatidos ontem, assassinados pela polícia.» Não vejam nisto falta de compaixão com as vítimas. Certamente ela é como todo o mundo, capaz de pôr uma vela. Mas, como todo o mundo, ela sofre de compaixão a mais. Três tipos podem dedicar-se a esfaquear uma mulher que grita por socorro (houve um momento em que isso aconteceu na ponte de Londres) e deitados por terra, minutos depois, serem já, cada um, um ser humano arrependido.

«O senhor vai desculpar-me, dá-me licença que me certifique se o colete é uma brincadeira?», deveria ter dito o polícia. E só depois de se debruçar sobre o homem, e no caso improvável de ser mesmo bomba, só depois disso e de pedir ao alegado terrorista que lhe prometesse não acionar o botão da explosão, só então, após recusa dele, confirmando que era mesmo mau, o polícia podia disparar. Desculpem, esqueci-me de um trâmite: ele deveria ter telefonado para a esquadra pedindo uma bala anestesiante. Mas, enfim, sabe-se como são os polícias, mesmo os bobbies – sem maneiras.

Ora não foi sempre assim. No dia seguinte aos atentados de 2005, fui a Londres. No domingo, eu estava no Hyde Park, no Speaker’s Corner, onde quem quer falar, fala. Os atentados tinham causado 52 mortos e 700 feridos, e um marroquino subiu para um banquinho e discursou, justificando as bombas no metro e num autocarro, de três dias antes. Dois polícias passaram de mãos atrás das costas e continuaram. No ano passado, em Regent’s Park, já discutiram com apoiantes de terroristas. E na semana passada mataram três terroristas. Quem vai parar a espiral de violência dos nossos polícias?