Astérix: Os irredutíveis gauleses atacam de novo (e nós temos imagens exclusivas)

Texto de Ricardo J. Rodrigues

Toda a gente sabe que na saga de Astérix e Obélix importa a história e não tanto o rigor histórico. Para percebê­‑lo, basta pensar que os menires, além de pesados, são monumentos muito anteriores à tomada de Gália pelas legiões romanas.

Este novo Astérix e a Transitálica também gere o tempo de forma larga: fala do que é hoje a Itália como um conjunto de povos desunidos e resistentes a Roma, quando no ano 50 a.C. já as tropas de César tinham conquistado todos aqueles povos em redor. Mas, ao mesmo tempo, a opção dos autores por pegar numa Itália que contesta o governo central tem tudo aquilo a que Astérix nos habituou. Sem nunca falarem de política, os gauleses são a metáfora de todas as lutas pelo poder.

Este é o 37º álbum das aventuras de Astérix e o terceiro assinado por Jean­‑Yves Ferri e Didier Conrad. Apesar de Goscinny ter morrido há quarenta anos, Uderzo continuou a saga até 2009, assinando mais dez livros com o nome de ambos. Desde então, Ferri e Conrad, argumentista e ilustrador, assumem a narrativa e o desenho.

Estiveram nas terras altas da Escócia em Astérix entre os Pictos (2014) e lutaram contra Roma em Astérix e o Papiro de César (2015). Hoje, 19 de outubro, encetam uma viagem a Itália em vinte línguas diferentes. E, só na primeira edição, serão impressos quatro milhões de exemplares. Nestas páginas trazemos seis pranchas inéditas, que sairão em Astérix e a Transitálica daqui a umas semanas.

Há Roma, sim, mas aqui nem todos são romanos. Os povos da península são também etruscos e vénetos, calabreses e úmbrios, oscos, messápios e apúlios. Tal como os gauleses, não admitem estar sob o jugo de César e resistem igualmente ao invasor.

O êxito das aventuras de Astérix – um dos maiores sucessos da banda desenhada mundial por estar traduzido em 110 línguas e dialetos, ter vendido 370 milhões de livros em todo o mundo, originado 13 filmes e um parque temático nos arredores de Paris – explica­‑se precisamente por aqui. É inevitavelmente a história do ânimo do mais fraco. E é por isso que funciona. O 37º álbum também.

O êxito das aventuras de Astérix – um dos maiores sucessos da banda desenhada mundial – explica­‑se por isto: é a história do ânimo do mais fraco.

Quando, em 2014, Ferri e Conrad assumiram formalmente o comando da saga, o crítico literário Ian Sansom escreveu para a revista britânica New Statesman um artigo em que comparava Tintin a Astérix e defendia com unhas e dentes a primazia do segundo. «Enquanto Tintin cumpre as suas aventuras no mundo dos adultos sofisticados e privilegiados, Astérix faz um apelo a todos os que estão habituados a perder. O primeiro repõe a justiça, o segundo combate a ditadura.»

Neste novo livro essa ideia vai ficar particularmente visível, e muito graças a Obélix. O companheiro de Astérix quer, como sempre, combater todos os que vivem próximos de Roma e Astérix explica­‑lhe que há entre os italianos muitos resistentes ao poder central.

O livro chega mesmo a abordar as condições desumanas em que vivem algumas das legiões de César – também eles, os inimigos dos gauleses, as menos prováveis das vítimas, sofrem com a musculatura cruel do regime. Num momento em que o mundo parece estar cada vez mais extremado em preto e branco, Astérix e a Transitálica é uma colorida e refrescante ode ao cinzento.

Nesta nova aventura, Obélix quer, como sempre, combater todos os que vivem próximos de Roma, mas Astérix explica­‑lhe que há entre os italianos muitos resistentes ao poder central.

Os autores, no entanto, evitam falar de qualquer dimensão política da obra. Em entrevista à Notícias Magazine, recusaram-se a responder às questões sobre esse tema, mas aceitaram fazê­‑lo em relação ao processo criativo.

Conrad diz que «neste nosso terceiro volume já conseguimos imprimir mais profundidade àquilo que tinha sido o trabalho de Uderzo. No primeiro tivemos de correr contra o tempo e o segundo serviu sobretudo para criarmos uma dinâmica própria enquanto dupla. Agora já estamos confortáveis.»

Ferri diz que a Transitálica lhes permitiu concentrar mais em cenas de ação. «O álbum anterior, Astérix e o Papiro de César, centrava­‑se em volta de um conceito mais abstrato, o controlo de informação pelos romanos.» Agora, o que parece estar em causa é resistência e domínio. Pancadaria, portanto.

Ferri e Conrad prometem uma dezena de novas personagens, mas uma fidelidade total ao espírito de Uderzo, sobretudo aos primeiros anos, quando este trabalhava com Goscinny. Concordam ambos que são herdeiros de uma tradição poderosa e que funciona.

«É misterioso explicar de onde vem toda esta popularidade», diz Jean­‑Yves Ferri. «Porque é que uma canção tem mais sucesso do que outra?» Talvez seja Didier Conrad a dar­‑lhe resposta: «Astérix envelhece melhor do que as outras bandas desenhadas, não tem rugas. E lê­‑se em todas as idades, ainda hoje dou por mim a voltar aos primeiros álbuns e a redescobrir sentidos novos nas piadas.» Ferri, afinal, concorda. «As histórias encadeiam­‑se umas com as outras», e é isso que tem piada em Astérix. «É um jogo.» De poder e superação, mas um jogo.

Uma longa história

Este é o 37.º álbum das aventuras de Astérix e o terceiro assinado por Jean­‑Yves Ferri e Didier Conrad. René Goscinny, autor dos textos, morreu há quarenta anos, mas o ilustrador Albert Uderzo, que fez 90 anos em abril passado, continuou a saga até 2009, assinando mais dez livros com o nome de ambos.

Desde então, Ferri e Conrad, argumentista e ilustrador, assumem a narrativa e o desenho. Foram eles que levaram os personagens às terras altas da Escócia em Astérix entre os Pictos (2014) e os puseram a lutar contra Roma em Astérix e o Papiro de César (2015).

Esta quinta-feira dão início a uma viagem a Itália em vinte línguas diferentes, com Astérix e a Transitálica. A primeira edição terá quatro milhões de exemplares.