Como começaram as aventuras de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada

Texto de Catarina Guerreiro | Fotografia de Leonardo Negrão/Global Imagens

Foi amizade à primeira vista. Estavam no portão da escola básica Fernando Pessoa, em Lisboa, onde iam as duas começar um estágio como professoras primárias, no ano letivo de 1976-77, quando, sem se conhecerem, uma delas desafiou a futura colega para um café. Nesse dia, começou uma das duplas mais conhecidas do país: Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães.

Logo na primeira reunião com as orientadoras, que lhes explicaram o método de trabalho, Isabel percebeu que tinha descoberto a parceira ideal. «No fim da reunião virei-me para a Ana e disse: “Queres trabalhar comigo?”», conta. «Achei aquilo extraordinário», recorda Ana, ao que a amiga responde: «Foi intuição.» Davam aulas de Português e História a turmas do 5º, 6º e 7º anos e começaram a preparar os conteúdos sempre em conjunto. E, quando perceberam que grande parte dos alunos não tinha qualquer interesse na leitura, montaram um plano secreto.

Para darem a volta ao desinteresse dos alunos, pela leitura começaram a escrever histórias inventadas que liam nas aulas. Para ninguém saber que eram delas, usavam um nome codificado: Anel Alçães. E conquistaram os estudantes.

«Começámos a escrever em casa uns textos, umas histórias inventadas por nós que depois líamos nas aulas», lembra Isabel, explicando que para ninguém saber que eram delas, colocaram um nome codificado: Anel Alçães. Com este pseudónimo, que muitos alunos pensavam tratar-se de um escritor brasileiro, foram conquistando os estudantes e os professores daquela e de outras escolas.

«Eram contos mais curtos, mas sempre com ação», lembram. O primeiro foi O Naufrágio, baseado numa situação em que Ana Maria, o irmão e os amigos iam morrendo afogados. «Depois fizemos outra sobre o menino que nunca tinha visto o mar», acrescenta Isabel. Já com muitos contos escritos, quando mais tarde decidiram apostar num livro infanto-juvenil, procuraram quatro editoras e só a última, a Caminho, as aceitou. «Mas pediram-nos dois livros», diz Ana.

Para escrever cada livro, vão ao local onde se passa a aventura. Já viajaram pelo país inteiro e partilharam também muitas peripécias no estrangeiro.

Foi assim que, a 25 de novembro de 1981, conseguiram ter nas mãos o primeiro exemplar de Uma Aventura na Cidade, que foi para as livrarias no ano seguinte (assim como Uma Aventura nas Férias de Natal) e se tornou um sucesso. Desde então já escreveram 59 aventuras. Estão na 60ª, que será Uma Aventura nas Janelas Verdes e, para se inspirarem, já foram três vezes ao Museu de Arte Antiga.

Para escrever cada livro, vão ao local onde se passa a aventura. Já viajaram pelo país inteiro. Nas Minas da Panasqueira tiveram de se vestir como mineiros por não poderem visitar o local de saias e na Madeira estrearam-se a andar de cesto, cheias de medo de cair.

Partilharam também muitas peripécias no estrangeiro. Uma vez ficaram impressionadas por terem recebido uma carta de uma menina de São Tomé e Príncipe a pedir uma história do deserto com camelos. Meteram-se no avião e foram as duas, na companhia do marido de Ana, Zeferino Coelho, para o deserto do Saara. «Apanhámos um susto», desvenda Ana, ao lembrar aquela viagem de carro feita em 1987 em Marrocos, onde, durante horas, no meio do Alto Atlas, entre Ouarzazate e Zazarte, só viam areia, mais nada: nem uma pessoa nem uma casa.

Quando Isabel foi ministra da Educação, Ana não se importou de perder o seu tempo livre ao domingo para continuarem juntas a escrever.

Já foram também à Amazónia, a França, a Macau, a Timor, entre outros sítios, para escrever as histórias em que os protagonistas são cinco dos antigos alunos da escola Fernando Pessoa. Inicialmente fizeram uma lista de 25 estudantes, mas depois reduziram-na até encontrar os perfis perfeitos para o João, o Chico, o Pedro e as gémeas Teresa e Luísa. Além desta coleção, Ana e Isabel lançaram mais obras, como os 22 volumes da coleção «Viagens no Tempo e Outras Tantas da História de Portugal».

Ao todo, juntas, já escreveram 116 livros. Pelo meio, foram-se tornando muito amigas e partilharam os momentos mais marcantes da vida das duas. Tornaram-se avós, divorciaram-se, voltaram a casar.

Quando Isabel foi ministra da Educação, Ana não se importou de perder o seu tempo livre ao domingo para continuarem juntas a escrever. Fazem-no sempre em papel, pela mão de Ana Maria, que tem uma letra mais fácil de perceber para a pessoa que lhes passa tudo para computador.

Nunca se zangaram, ao longo dos 41 anos que partilham juntas – o que é sinal de que, naquela manhã de 1976, quando Isabel desafiou a colega para um café, a sua intuição estava certa.