Apologia dos presentes

Notícias Magazine

Há dias estava a separar roupa pequena dos miúdos quando eles pegaram numa camisola interior com uma bonecada que a distinguia de outras tantas parecidas. Agarraram nela e lembraram-se de que tinha sido a bisavó Ilda a oferecê-la. «A bisavó dava-nos sempre camisolas interiores no Natal. E quando as vestíamos pela primeira vez eram mesmo fofas.» Sorri e pensei que há uma razão pela qual eu defendo com unhas e dentes os presentes de Natal.

Tenho uma lista de ofertas um bocadinho extensa, basta dizer que ultrapassa as cinco dezenas. E todos os anos vivo a mesma saga, com momentos que oscilam entre a comédia e uma pontinha de drama. Começo por dizer a mim própria que tenho de tratar dos presentes cedinho, lá para as férias do verão. Faço pesquisas bem-intencionadas e prometo que vou fazer algo personalizado para todos.

Depois o tempo vai passando e quando se entra em dezembro tenho, na melhor das hipóteses, duas ou três coisas escolhidas. Acabo quase sempre a fazer o que prometi que nunca mais faria: pôr os pés em centros comerciais horrivelmente cheios e impessoais para resolver falhas de última hora quando a consoada está mesmo a chegar.

Peço aos defensores do boicote às prendas que não comecem já a fuzilar-me. Gosto pouco de fúrias consumistas e as compras não são um dos meus passatempos favoritos. Mas o excesso de mensagens que associam presentes a capitalismo e materialismo enerva-me. Desde oferecer uma compota a fazer trabalhos manuais, há mil e uma maneiras de dar coisas que não custam dinheiro. Ou presentes solidários que ajudam quem os dá e quem os recebe.

Todos temos, nas memórias de infância, embrulhos que nos fizeram arregalar os olhos e ofertas de que nunca nos esquecemos. E ao longo da vida somamos objetos que se colam à nossa vida pelo que nos fazem lembrar sobre quem no-los deu. Os objetos interessam apenas na medida em que unem a história das pessoas. São pontos de paragem para momentos e emoções.

O tempo é um dos bens mais escassos e o melhor presente pode ser apenas isso, dar tempo a uma causa ou a uma pessoa. Cada um faz a lista que quer e a originalidade não tem limites. Podem ser papéis em forma de rifas com prémios tão simples como abraços. Cadernos com histórias ou episódios de vida. O que for que desperte um sorriso no outro. Um presente é uma forma simples de dizer «lembrei-me de ti».

Quanto mais certeira, mais demonstra que quem oferece quis ir ao encontro de quem recebe. É uma oportunidade de mostrarmos o quanto nos conhecemos e queremos estar presentes na vida uns dos outros. Um presente diz «Estou aqui». E para mim o Natal é isso, vontade de ser presença na vida dos outros. Cada pessoa terá uma resposta diferente sobre o que é para si o Natal. Já ouvi muita gente dizer que ficaria contente se pudesse saltar por cima de dezembro e ir diretamente de novembro para janeiro. Há quem viva o Natal com fé.

Quem o associe a família. Quem vibre com as luzes, a árvore enfeitada, as músicas sempre iguais em cada esquina. Há quem coloque esforço e minúcia em todos os pormenores da quadra festiva, preparando delicadamente a ementa e a mesa de encontro. E quem evite jantares, confusões ou correrias.

Há muitas formas de sentir dezembro e para mim é o mês em que o amor se dá na forma dos mais variados gestos. E por isso nos devolve a perspetiva certa. Das coisas que merecem o nosso tempo. Das pessoas a quem queremos dizer «presente».