
A Inteligência Artificial anda há mais de 60 anos nos nossos sonhos. Hoje, é uma realidade, já não é solene, e, na maior parte das vezes, não se vê. Não está nos robôs dos filmes, mas noutros, feitos de linhas de código, chamados algoritmos. E com enorme influência nas nossas vidas. Sim, leitor mais desatento. Vou dar-lhe um exemplo.
Se está a ler-me numa revista em papel, a escolha foi sua – e agradeço-a. Se me está a ler num computador, este texto provavelmente chegou-lhe porque houve uma fórmula, um algoritmo, que tomou a decisão de lho mostrar. Fê-lo baseando-se nos passos que o leitor deu online, decisões, tempo em cada história, temas pesquisados…
O mundo online está cheio de aplicações que assimilam esses dados – «big data», assim se chamam – os tornam lógicos e tomam decisões a partir deles. Isso é inteligência artificial e é sobre esta que versa a reportagem de capa desta edição. Nela estão as causas e consequências do domínio dos algoritmos, online e offline. Da crise financeira de 2008 à eleição de Trump.
Os algoritmos proliferaram com as redes sociais e foram a razão por que estas não se tornaram uma entropia cacofónica. Mas, recentemente, acabaram por voltar-se contra elas. Até há pouco tempo, Facebook, Google, YouTube, entre outros, alegavam ser meras plataformas de distribuição, lá está, usando algoritmos para fazer chegar a informação às pessoas. Só que a forma como esses algoritmos funcionam não é conhecida e tornou-se polémica.
Por duas vias. A política: por causa das notícias falsas e a manipulação do eleitorado que estiveram na base da vitória do brexit e, mais, de Donald Trump. E a económica, com grandes marcas mundiais irritadas por verem os seus anúncios junto de vídeos de terroristas – sendo que os terroristas receberam parte das receitas dessa publicidade pela mesma via analítica.
Tudo isto aconteceu por causa dos algoritmos: escolhem quem recebe o quê, mas não têm preocupações com o conteúdo transmitido – nem com a origem, nem com a qualidade. Na publicidade isto chama-se «programática», e permite com pouco esforço chegar a muita gente.
Mas, lá está, sem as preocupações que os anunciantes têm quando publicam nos media tradicionais, de conhecer a quem se dirigem e, sobretudo, a que meios se associam.
Na internet é à balda, é como se aparecessem num magazine económico para a classe A, B, e a seguir num reality show. Escolhe-se a quantidade, em detrimento da qualidade. E se há marcas e companhias dispostas a lidar com isso, outras nem tanto. E nenhuma estará disposta a financiar terroristas.
O que é irónico em tudo isto é que as redes sociais, por causa da escala e por alegarem ter algoritmos eficientes, acabaram por desviar grande parte do investimento publicitário mundial dos media – a divisão está nos 75% para as plataformas, 25% para os media, em Portugal.
O principal algoritmo dos media tradicionais – e não estou a falar de online offline – tem um nome: jornalismo. Mostra e explica o mundo, mesmo o que os leitores nem imaginam que existe. É controlado, tem autoridades que o regulam e regras éticas, não é uma «black box» de escolha pouco transparente. E permite uma das principais fontes do conhecimento: a da descoberta.
Talvez toda esta polémica dê mais valor a essa grande vantagem.