O maior viveiro de bambus da Europa está no Alentejo

Texto de Helena Viegas | Fotografia de Sara Matos/Global Imagens

Yves Crouzet tira o chapéu da cabeça e é com gestos largos e teatrais que conta a história de um homem que, um dia, decidiu ir passear numa floresta de bambus e usar como cabide o ramo alto de uma cana gigante. «Demorou­‑se umas horas e, quando voltou, a planta tinha crescido tanto que já não conseguia chegar ao chapéu…», explica, com um piscar de olhos divertido, ciente da reação que as palavras provocam.

Talvez se trate de um exagero, reconhece o engenheiro agrónomo francês, com um encolher de ombros. «Mas também pode ter acontecido…» A verdade é que as plantas atingem a altura máxima em apenas oito semanas, desenvolvem­‑se a um ritmo impressionante. «Um bambu gigante pode crescer mais de um metro por dia.»

«Tenho mais de trezentas espécies. Gosto de experimentar, de ver como se comportam. Algumas não são para venda.» diz Yves Crouzet.

Os orientais dizem que, «se estivermos com atenção, conseguimos ver o bambu crescer», confirma o homem enquanto caminha até chegar a uma floresta de bambus com mais de vinte metros de altura que fez nascer num extremo da Herdade das Fontes, em São Teotónio, Odemira. Comprou a propriedade há 27 anos e a Bambuparque não parou de conquistar espaço.

As plantações do viveiro de bambus ocupam hoje sessenta dos cem hectares da herdade e é preciso cortar por atalhos, entre lotes de bambus de vários tamanhos, que crescem em vasos ou na terra, ao ar livre ou em estufas, para chegar ao destino. «Tenho mais de trezentas espécies. Gosto de experimentar, de ver como se comportam. Algumas não são para venda. Só em catálogo, a Bambuparque tem mais de cem tipos de bambus…É garantidamente o maior viveiro de bambus da Europa e, muito provavelmente, do mundo inteiro», arrisca o francês.

As plantações do viveiro de bambus ocupam sessenta dos cem hectares da Herdade das Fontes, em São Teotónio.

Criar um viveiro da dimensão da Bambuparque, hoje uma empresa com um volume de negócios anual superior a um milhão de euros, não estava nos planos do engenheiro francês quando veio pela primeira vez a Portugal, em 1990.

Nessa altura, a vida de Yves Crouzet estava centrada no Sul de França, onde estava o La Bambuseraie – um jardim de1855 com uma importante coleção de bambus que a sua mulher herdou do avô e ambos adquiririam ao resto da família em 1976 – que ajudou a tornar o jardim privado mais procurado de França, com 350 mil visitantes por ano. Era lá que viviam os quatro filhos.

Yves Crouzet percorre todos os dias os mesmos caminhos da herdade. Apesar de gostar de repetir que está reformado e em setembro entregou a gestão da Bambuparque ao filho mais velho, não consegue desapegar­‑se do viveiro.

E foi sempre a partir de Marselha que, nos anos 1980, Yves Crouzet partiu pelo mundo à procura de espécies de bambu para enriquecer a coleção – viagens que resultaram numa importante rede de contactos internacional e no assumir de responsabilidades em iniciativas de divulgação do bambu fora da Ásia, como a criação da Associação Europeia de Bambu ou a organização do II Congresso Mundial do Bambu em França, em 1988.

«Vim parar ao Alentejo a conselho de um amigo. Tínhamos um pequeno viveiro em França e depois de um inverno rigoroso, em que perdemos muitos bambus, estava à procura de um sítio com melhores condições para engordar a coleção de espécies tropicais.» Só que o rumo dos acontecimentos alterou­‑se quando Yves percebeu que também as espécies de clima temperado se davam bem ali – melhor do que em França.

Os bambus cresciam melhor e muito mais rapidamente em São Teotónio. E a Herdade das Fontes – com a sua mini-hídrica artificial e diversas sebes de bambus altos a servir de corta­‑vento – tornou­‑se rapidamente o epicentro de um negócio alimentado por encomendas de hortos, farmacêuticas e até jardins zoológicos de toda a Europa.

Yves Crouzet percorre todos os dias os mesmos caminhos da herdade. Apesar de gostar de repetir que está reformado e em setembro entregou a gestão da Bambuparque ao filho mais velho, não consegue desapegar­‑se do viveiro.

A viver em Portugal desde que se divorciou há cinco anos e se desligou do jardim e da empresa em França, gosta de espreitar o desenvolvimento dos novos bambus, criados por estaca, e de fazer visitas guiadas a investigadores e clientes.

Dos 350 mil vasos que a Bambuparque vende todos os anos, apenas 10 a 15 por cento ficam em Portugal. A empresa tem um volume de negócios anual superior a um milhão de euros.

É com o fundador da Bambuparque que todos, entendidos ou principiantes, pedem para falar. Os primeiros conhecem­‑lhe o percurso e os livros que escreveu, com destaque para o Bambus, em parceria com o fotógrafo naturalista francês Paul Starosta e editado pela Taschen em 1998. Os outros aprendem, entre outras coisas, que o bambu atinge a idade adulta em dois meses, mas a cana precisa de três a quatro anos para endurecer de forma a ser usada, por exemplo, na construção. E todos gostam de ouvir Yves explicar as características de cada espécie.

Dos 350 mil vasos que a Bambuparque vende todos os anos, apenas 10 a 15 por cento ficam em Portugal. A maioria dos clientes são estrangeiros e durante mais de vinte anos não sentiu necessidade de aprender a língua.

Em frente ao canteiro da espécie Chimonobambusa tumidissinoda pegar no caule e chama a atenção para os nós que interrompem compassadamente as canas, originalidade que tornou a espécie um tesouro protegido em Shichuan. «Foi um amigo que me deu um vaso. Trouxe o bambu da China, de um zoológico. Deram­‑lho quando a espécie ainda não tinha sido trazida para a Europa. «Tinham-na mal catalogada, foi por engano…», explica. Há vinte anos, a espécie existente no Alentejo «era uma raridade…»

As palavras faltam­‑lhe por vezes e Yves ainda recorre com frequência ao francês, para explicar o que quer dizer. Dos 350 mil vasos que a Bambuparque vende todos os anos, apenas 10 a 15 por cento ficam em Portugal. A maioria dos clientes são estrangeiros e durante mais de vinte anos não sentiu necessidade de aprender a língua.

Só quando se mudou para Odemira, há cinco anos, começou a estudar português, «com livros e cassetes». Os sete netos adoram o Alentejo e é em São Teotónio, onde é conhecido como «o senhor dos bambus», que quer ficar.

Tem 70 anos e não lhe faltam planos. Na Herdade das Fontes existe um pavilhão de canas de bambu, erguido de acordo com as regras de construção com bambu tradicionais do Brasil. Atualmente, é um exemplo da aplicação das canas da planta ao mundo da arquitetura e serve de estúdio para as aulas de ioga e meditação que ali dá um vizinho alemão.

Mas Yves quer dar forma a mais casinhas de bambu, seguindo os diferentes hábitos de construção em países como Japão, China ou Colômbia. E não apenas para construir um catálogo vivo da Bambuparque. A dinamização como turismo e para workshops e encontros de divulgação do bambu, nas suas mais diversas aplicações, faz parte da sua ideia de «reforma».

1500 ESPÉCIES DE BAMBU EM TODO O MUNDO

Na Herdade das Fontes há mais de 200 tipos de bambu, um número que representa uma ínfima parte das 1200 a 1500 espécies identificadas, mas uma amostra que exemplifica bem a plasticidade da planta – da família das gramíneas, como o milho ou o trigo, e como tal mais parecida com uma erva do que com uma árvore. Nas suas diversas versões, os bambus surgem com diferentes tipos de folha, mais larga ou mais estreita, mais verde ou raiada de amarelo, com canas que vão do verde ao preto, passando pelo laranja e com diferentes alturas – um bambu anão não ultrapassa os 80 cm e as alturas das espécies pequenas e médias são muito variáveis, podendo as variantes gigantes ultrapassar os 24 metros.
O crescimento ocorre por volta de março e abril e a melhor época de plantação por estaca é em maio. Mais exatamente, a 13 de maio: no Japão e na China, esse é o «dia dos malucos do bambu», brinca Yves Crouzet.

O MAIOR VIVEIRO DA EUROPA

Os pandas são os clientes mais exigentes da Bambuparque. Não gostam das espécies com folhas rijas e de extremos pontiagudos e os ramos de bambu que saem de São Teotónio para o jardim zoológico de Madrid têm de ser transportados em camiões refrigerados para manter a frescura da folhagem. Até os pré­‑requisitos da indústria farmacêutica e cosmética e da arquitetura paisagista são mais fáceis de satisfazer. Yves Crouzet sabe que as propriedades do bambu são apreciadas para o tratamento de artroses e conhece bem o poder cicatrizante do pó branco que cobre as canas mais jovens. E também não teve dificuldade em cumprir o pedido de um artista contemporâneo macaense que quis fazer uma obra com canas de bambu gigantes para um museu chinês. Mas a maioria das encomendas chegam sobretudo de hortos espalhados pela Europa, que comercializam a espécie para decoração de espaços interiores e jardins.