Ajuda de mãe: depois da maternidade, o trabalho

Texto Cláudia Pinto

É fácil para Vanessa Silva falar da filha. Os olhos sorriem debaixo da atenção da pequena Matilde, que parece saber que estão a falar dela. «Ser mãe é uma experiência do outro mundo, estou a amar! Passei por momentos complicados durante a gravidez mas tudo se esquece. Até já tenho saudades da minha barriga», diz a jovem de 22 anos. «É uma menina feliz, simpática e muito dada.» A mãe que não deixa de disfarçar o contentamento ao assistir à cumplicidade de Matilde com o pai. «É uma euforia quando o vê, um sorriso de orelha a orelha.»

A felicidade só ainda não é plena pela falta de trabalho. Vanessa é uma das 15 formandas da quinta edição do curso Porque Somos Mães, promovido pela Ajuda de Mãe, em Lisboa. «Gosto de todos os aspetos da formação mas o berçário tem outro encanto, é maravilhoso», explica. Não tem grandes dúvidas de que abraçará qualquer oportunidade que surja, contando «com o apoio incondicional» do companheiro. Mas se for alguma coisa relacionada com crianças, melhor.

Com a duração de três meses, o curso Porque Somos Mães, da Ajuda de Mãe, passa por capacitar mães para a empregabilidade e o desenvolvimento das suas competências parentais.

Com a duração de três meses, o objetivo passa por capacitar mães para a empregabilidade e o desenvolvimento das suas competências parentais com vista à integração plena na comunidade. Durante as horas de formação, todos os dias úteis, das dez às cinco, estas mães ganham também conhecimentos que irão ajudá­‑las mais tarde, para serviços domésticos diversos e no cuidado a crianças e seniores, algumas das saídas profissionais possíveis.

Desde 2015 já foram realizadas quatro ações do curso e formadas 58 mães. Do total, 46 já estão a trabalhar. Em junho deste ano, a ideia foi distinguida com uma menção honrosa na segunda edição do Prémio BPI Solidário.

Os quase 43 mil euros que a instituição vai receber ao longo de três anos «vão permitir garantir a coordenação do projeto durante mais três anos», diz Madalena Teixeira Duarte, presidente da associação. «O balanço é positivo. Sabemos que a inserção no mercado de trabalho pode não acontecer no imediato, mas a maioria já encontrou uma ocupação.»

Zaida Gomes, 27 anos, e Adelaide Pinto, 38, vêm da Guiné, onde tinham a vida estruturada e trabalhavam. «Fui independente e tinha a minha casa», diz Adelaide. Em Portugal o cenário foi diferente. Veio há um ano e meio, para viver com o companheiro que tinha vindo tempos antes. Mas mal chegou engravidou logo. «Foi uma bênção. Tinha perdido uma filha de 6 anos na Guiné, com uma broncopneumonia, e optei por ter a Lavínia aqui, onde os cuidados de saúde são melhores.» É em Portugal que pretende que a filha de 6 meses estude e cresça.

«A minha felicidade é estar junto da minha família, mas falta­‑me o trabalho para me sentir completa», diz Adelaide Pinto, 38 anos.

Durante a gravidez, recebia apoio da Ajuda de Mãe, fruto de uma nova vida que começou do zero. Quando lhe falaram desta formação, aceitou de imediato. «Cansei­‑me da rotina de doméstica, de estar em casa, a cuidar da filha e do marido.»

Adelaide imagina­‑se a trabalhar em qualquer área, num restaurante, numa engomadoria ou num lar de idosos. «A minha felicidade é estar junto da minha família, mas falta­‑me a componente profissional para me sentir completa. O trabalho do meu marido não é suficiente para todas as despesas.»

Zaida espera conseguir tirar um curso de personal trainer. «Gostava de trabalhar num ginásio e até abrir um negócio meu quando regressar à Guiné.»

Zaida é mãe de Joia. Uma rutura muscular fê­‑la abandonar a carreira de atleta na Guiné. Tem um curso de instrutora de ginásio – trabalhou na área durante nove anos, naquele país – e outro de treinadora de futebol. Como as formações não têm equivalência em Portugal, espera conseguir tirar um curso de personal trainer por cá. «Gostava de trabalhar num ginásio e até abrir um negócio meu quando regressar à Guiné.»

Zaida fala a sorrir. Expressiva, atenta e determinada, veio para Portugal para cuidar de uma irmã depois de um acidente. Imagina­‑se a trabalhar num lar de idosos mas está disponível para a vaga que surgir. «Quero tirar alguns cursos, posso até arranjar um trabalho de dia e estudar à noite. Não podemos parar!» Sonhos não lhes faltam. Projetos para o futuro também não.

«Nós incentivamo­‑las a seguirem os seus sonhos, a não desistirem», diz Fátima Silva, psicóloga clínica e responsável por este curso de capacitação profissional, há 17 anos a trabalhar na Ajuda de Mãe. «Mas para os concretizarem há um caminho a fazer. Têm de trabalhar, ter um ordenado, para apostarem depois no que ambicionam.»

«Insistimos imenso na pontualidade e na assiduidade, aspetos essenciais no mercado de trabalho», explica a psicóloga Fátima Silva.

Nas quatro edições do curso, os grupos têm sido heterogéneos, tanto no que respeita à idade como ao nível de escolaridade e nacionalidade. Os módulos com cargas horárias diferentes incidem em formação parental, cidadania, formação para a empregabilidade, tecnologias de informação e comunicação, organização e economia doméstica, oficinas de trabalho, ideia e criação do próprio negócio (que consiste em incentivar o que sabem fazer bem e que permita terem algum rendimento extra).

São muitas as áreas e vários os desafios. «Insistimos imenso na pontualidade e na assiduidade, aspetos essenciais no mercado de trabalho», explica Fátima. «Tentar que cheguem a horas é uma batalha diária.»

As ações contam com formadores internos, voluntários, mas também com alguns convidados externos. «Tentamos que estas mães ganhem algumas competências para uma melhor inserção, tanto ao nível da sociedade, como do mercado de trabalho.

«Nem sempre é fácil para estas mães conciliarem a vida pessoal e profissional, algumas estão sozinhas com os seus filhos e não têm suporte e rede familiar.»

A parte cívica e de cidadania é também uma grande aposta nossa», sublinha a responsável. Além da ajuda às formandas para encontrarem uma saída profissional, um dos grandes desafios é mantê­‑las nos empregos. «Nem sempre é fácil para estas mães conciliarem a vida pessoal e profissional, algumas estão sozinhas com os seus filhos e não têm suporte e rede familiar.»

São dois meses de aulas práticas e um de estágio em contexto de trabalho. E no final da formação, qual o rumo destas mães? «Não as largamos no mundo», garante Fátima. «É preciso que tenham noção de que não estão sozinhas neste processo. Defendemos a procura apoiada de emprego. Ajudamos a tratar dos papéis na Segurança Social, do passe e a aperfeiçoar o CV, aspetos simples mas que muita gente não sabe como se processam. Nos primeiros dias, acompanhamo­‑las ao local onde vão trabalhar, para garantir que chegam a horas e que não faltam», acrescenta a assistente social Filomena Mendes, a trabalhar a questão da empregabilidade neste projeto.

Outra vantagem desta formação na Ajuda de Mãe é o facto de poderem ter os bebés por perto, sobretudo os mais pequenos, que passam os dias no berçário.

São frequentes as ofertas de trabalho que chegam à Ajuda de Mãe, seja por parte de parceiros da instituição ou da própria comunidade. «Este é um primeiro passo. E é fundamental. Se aproveitarem e ganharem competências, ficam num patamar mínimo para encontrar trabalho», reforça a assistente social. E é disso que se trata: apostar numa formação para garantirem um futuro melhor mais tarde, para elas e para os filhos.

Outra vantagem desta formação na Ajuda de Mãe é o facto de poderem ter os bebés por perto, sobretudo os mais pequenos, que passam os dias no berçário. Assim garantem a proximidade e colmatam as necessidades dos filhos.

«Temos um telefone perto da sala de formação para onde as educadoras e voluntárias podem ligar e chamá­‑las sempre que necessário, para amamentar ou para acalmar os bebés. Elas já sabem que podem ter de sair nestas situações», diz Fátima.

«Notamos que, por vezes, tiveram uma ausência tão grande de colo, que acabam por senti­‑lo aqui, e depois já não querem sair.»

No final, há também uma fase de «desmame», explica a coordenadora. «Todas elas têm histórias muito diferentes, umas mais complicadas do que outras. Notamos que, por vezes, tiveram uma ausência tão grande de colo, que acabam por senti­‑lo aqui, e depois já não querem sair. É quase como se estivessem a tirá-las do ninho.»

Aos poucos, trabalha­‑se a autonomia e a independência destas mães, com o tempo necessário para se habituarem à nova vida. «Para mim, o mais importante é esta capacitação, saberem que podem e que vão mais além», diz Madalena Teixeira Duarte.

Partilha de experiências

Uma das componentes do curso inclui as visitas lúdicas mas também a locais de áreas em que potencialmente poderão vir a trabalhar. O Centro de Dia Santa Isabel, em Campo de Ourique, Lisboa, recebeu algumas das formandas, no mês de outubro. Foi a oportunidade para ouvirem o testemunho de quem trabalha diariamente com idosos, de conhecerem o contexto e de esclarecerem dúvidas.

«Saem daqui com a noção do que faz uma ajudante familiar. O mercado das creches está demasiado saturado, há muitas pessoas formadas na área e habilitadas para ocupar as vagas existentes. Por outro lado, o cuidado dos seniores é uma das áreas com mais lacunas e falta de profissionais», diz a psicóloga Fátima Silva.

«Os seniores gostam de ser ouvidos», diz Ana Isabel Fortes, ajudante familiar no Centro de Dia Santa Isabel. «Muitos não têm familiares e sentem­‑se sozinhos. Por vezes, só precisam de um abraço. É fundamental para estas mães conhecerem esta realidade e absorverem a nossa experiência.»

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