Vá, não te armes em esquisito. Vamos esquecer que já acabaste comigo 27 vezes

Notícias Magazine

Pedro,
Acho que estás a fazer uma tempestade num copo de água. Bem sei que há três meses tiveste uma conversa comigo e acabaste tudo, mas eu não vi isso de forma diferente de todas as outras vezes em que já te zangaste e depois deste o dito pelo não dito. Sim, eu sei, eram coisas menos sérias do que isto, mas eu tenho para mim que estás meio equivocado e que ainda vais cair em ti.

E as mensagens todas que tens enviado, por SMS ou WhatsApp, Messenger ou e‑mail, vão todas parar ao mesmo: o meu coração grande e gordo a bater por ti. Eu acho sempre que estás a meter‑te comigo ou a testar a minha capacidade de resistência. Pois bem: é grande. E por isso podes à vontade tentar correr comigo que não vai resultar.

É assim: enquanto eu achar que gostas de mim, vou ficar por cá. Mesmo que tu digas o contrário, eu, que te conheço, sei que lá no fundo ainda sentes qualquer coisa. E enquanto isso existir, vale a pena continuar. Vou continuando, devagarinho, a fazer a minha vida. A preparar‑te o jantar, a mudar‑te os lençóis da cama, a abastecer a despensa e a garantir que há sempre cerveja fria no frigorífico. Para ti, que eu só bebo vinho.

Claro que isso nem sempre é fácil. Há alturas em que tenho vontade de sair de casa, apanhar ar, esticar as pernas, ir ao talho. Mas com medo de que tu me apanhes fora e troques a fechadura, vou ficando. Há dois meses e meio que não saio daqui, não sei se já reparaste. Abençoada internet, que permite comprar tudo à distância e ter gente que vem entregar tudo à porta. Desde os teus cereais preferidos aos discos que gosto de te oferecer. Quem é um amor, quem é?

Trabalhar em casa tem destas vantagens. Só preciso de rede wi‑fi e um computador, recebo os trabalhos por e‑mail, faço o que tenho a fazer, despacho pela mesma via. E ao fim do mês o dinheiro entra na conta. Ah, e escusas de pensar em cortar a net porque eu tenho solução para isso. Com o telemóvel safo‑me. E se me fazes desaparecer o cabo do telemóvel para eu ficar sem bateria, uso o outro. Acredita, eu pensei em tudo.

Mas, sobretudo, pensei em nós. Penso em nós. Em como vai ser quando te passar esta telha terrível e caíres novamente em ti e voltares. E nem precisas de pedir desculpa por esta fita toda. Eu perdoo‑te. Às vezes fazemos disparates quando estamos com a cabeça perdida. Como eu, que ainda pensei em chamar o meu irmão para te abrir os olhos e te fazer ver as coisas claramente.

Depois lembrei‑me de que o meu irmão não fala comigo – ele diz que eu tenho um transtorno obsessivo‑compulsivo e sou bipolar esquizofrénica com personalidade borderline e que isso faz de mim uma pessoa perigosa. Eu acho que ele está a exagerar, mas achei melhor não o chatear.

Entretanto, deixa lá estar a Bimby sossegada. E o gato. E o aquário. Não quero levar nada disso. Está tudo muito bem aqui, no nosso ninho. Posso dizer ninho? É foleiro? Chama‑lhe castelo, então. Como preferires. Assim como assim, é uma espécie de prisão, mesmo. Eu não posso sair para não ser obrigada a ficar lá fora. E tu estás preso a mim. Calha bem, não calha? E se entretanto sempre quiseres trazer alguma lambisgoia cá para casa para me fazer ciúmes, estás à vontade. Mas pergunta‑lhe se ela tem seguro de saúde. E de vida.

E olha, porque haverias tu de me querer fora de tua casa e da tua vida? Assim, aqui, pertinho, sabes sempre onde estou. Se me mandas embora vais passar o tempo a olhar por cima do ombro à minha procura, com medo de que eu te salte à frente. Ou que apareça dentro do teu carro. E sabes uma coisa? Sou menina para isso. Um beijo. Sempre tua, mesmo quando tu não queres,
Ana

Sim, é baseado numa história real. E sim, há pessoas assim.

Leia o e‑mail do Pedro para a Ana aqui: Não vai dar, a sério. Nem que te pintes de ouro. E não sou eu. És tu, mesmo.