A Páscoa no Chiado

Texto de Ricardo Rodrigues

Era a fotografia de destaque do Diário de Notícias de 22 de março de 1940. As celebrações de Quinta-Feira Santa desse ano tinham enchido o centro de Lisboa de gente e o jornal tinha outra novidade para dar além dos perigos que ocupavam a Europa. Na página quatro, um artigo fervoroso.

Ditam as regras jornalísticas que não se transcrevam citações demasiado longas. Mas o texto é demasiado épico para ser cortado: «Quinta-Feira Santa. Dia de sol esplendoroso, de céu azulíneo. A natureza ontem foi pródiga em espalhar sobre a terra inundações de luz. Dia lindo o do Santo Sacrifício, o mais solene de todo o ano. Os fiéis em romarias infindáveis acorreram aos templos.

A cidade transfigurou-se. Manchas negras ondulantes alastravam pelas ruas. A humanidade digladia-se numa luta fraticida, mas a paz encontra nas igrejas o seu refúgio mais reconfortante. Admirável lição de amor e piedade nos deram as comemorações de Quinta-Feira Santa.

No Chiado dificilmente se podia transitar. De ano para ano sente-se que a fé revigora. O tempo passa com o seu carro de guerras e morticínios e a humanidade, então, mais se compenetra da sublimidade com os princípios cristãos. A grandeza de Deus assume ainda maiores proporções no coração dos homens.»

O resto era a descrição do ritual de Lava-Pés, protagonizado pelo cardeal Cerejeira, na Igreja de São Domingos, epicentro das celebrações oficiais católicas. E depois a lista de todos os templos onde decorreriam as solenizações de Sexta-Feira Santa. No meio da guerra, Portugal rezava.

CONCORDATA
Nos censos de 2011, 81 por cento dos portugueses declararam-se católicos. Em 1940, eram 98 por cento. Nesse ano, Lisboa e Vaticano assinaram a Concordata.