1926: Marie Curie e a entrevista que não aconteceu

Texto Ricardo J. Rodrigues Fotografia Arquivo DN

O jornalista não deve estar no centro da notícia, mas um artigo na primeira página do Diário de Notícias de 10 de Setembro de 1926 desafiou esse protocolo. O título apontava a visita: «Madame Curie passou ontem em Lisboa a bordo do Lutetia».

A partir daí, tudo descamba: «Era meio-dia, o jornalista atendeu uma chamada. Marie Curie estava em Lisboa e não se podia perder a entrevista. Então o jornalista saiu em busca da ilustre viajante, que deveria andar a visitar de automóvel as belezas da cidade.»

Quando a cientista finalmente chega, recusa a entrevista. O jornalista insiste. «Não lhe peço entrevistas, só meia dúzia de impressões.»

O artigo não era assinado – não era hábito fazê-lo. Mas pelo que se lê percebe-se que o repórter se esforçou. Depois de uma volta pelas atracões da capital, que se revelou infrutífera, «só indo a bordo, concluiu o jornalista. E como já tinha feito o embarque da primeira classe, alugou-se uma lancha e partiu-se Tejo fora. Mas Madame Curie ainda não tinha chegado, então foi preciso esperar três quartos de hora».

Quando a cientista finalmente chega, recusa a entrevista. O jornalista insiste. «Não lhe peço entrevistas, só meia dúzia de impressões.» Mas ela responde: «Não falo para os jornalistas.» «E uma pequena nota?», pergunta. «Não tenho.» «Podia só dar-me uma impressão de Lisboa?» Mas Marie Curie é perentória: «Muito difícil responder-lhe.» No fim, o repórter diz-se «satisfeito com as respostas que conseguiu ouvir» e anuncia que no Lutetia já se ouvem as sirenes da largada.

NOBEL
Marie Curie (1887-1934) venceu o Nobel da Física em 1903 e o da Química em 1911 pelos trabalhos sobre radioatividade. Apesar da origem polaca, foi a primeira mulher a ser sepultada no Panteão Nacional francês.