Um grito surdo

Notícias Magazine

Não sei como será, nunca senti na pele. Mas andei lá perto. Muito perto. Tão perto, que posso imaginar que seja como aqueles pesadelos em que gritamos com quantas forças temos, mas não conseguimos que nos saia som da boca. Um grito surdo, que só nós ouvimos, uma ajuda que não chega, porque não percebe que é precisa. Essa doença que se chama depressão e que se teima em desconsiderar como um capricho ou um sinal de fraqueza de carácter.

Porventura, a responsável por muitos actos hediondos que ouvimos nas notícias, porque, deixada à vontade para tomar nas mãos os destinos de tantas vidas, acaba por desembocar na destruição dessas mesmas vidas e de muitas outras, espectadoras, que não souberam ou quiseram ouvir os tais gritos surdos que apenas se faziam notar aos mais atentos pela expressão torta no rosto dos que os clamavam.

Sejamos claros, a depressão é uma doença grave. Gravíssima. Não só porque incapacita quem dela sofre como também porque pode pôr em perigo a sua vida e a vida de outros. Quando mal diagnosticada, ignorada, medicamente não acompanhada, pode levar a actos de desespero cujos contornos serão imprevisíveis, mas certamente penosos.

Falo de situações extremas, sim, e convém não esquecer as outras. As situações aparentemente menos graves, ou porque se consegue ir disfarçando a doença, gerindo os seus sintomas por forma a mostrar uma aparente normalidade, ou porque o quadro de prostração a que vota as suas vítimas parece não indiciar perigo.

Eu tenho medo é do silêncio pesado, desse grito que não deita som, apenas deixando o rosto contorcido de dor. É uma dor física a que se sente, imagino que seja. Quem sofreu alguma perda importante na sua vida sabe do que falo.

A dor psicológica faz doer o corpo. Aleija o coração, o estômago, as entranhas. E, no entanto, ninguém nos bateu, pontapeou, esmurrou. Nem por um segundo duvidamos que aquela dor não seja real. A diferença está em que essa dor acaba por passar, enquanto a dor de uma depressão não passa nunca. Pelo menos, sem ajuda médica e sem o apoio dos que rodeiam quem dela padece.

Principalmente, que fique esta ideia bem presente nas nossas cabeças: pode acontecer a qualquer um de nós. Achar que só aos outros é que está destinada é o primeiro passo para ensurdecer cada vez mais esta doença grave, perigosa e mortal.

[Publicado originalmente na edição de 6 de março de 2016]