Semana quente na discussão portuguesa Uber vs. táxis. Nesta conversa, em que não há espaço para «mas», as dúvidas metódicas de quem já pensou um bocadinho sobre o assunto podem trazer algum desconforto.
Como todas as discussões feitas em Portugal na era pós-redes sociais, não há espaços para mas – nem meio mas – nas conversas que se têm sobre a questão Uber vs. táxis. A pergunta feita há de ser sempre: és contra a Uber? Ou então: és a favor da Uber? E a resposta, já se sabe, só pode vir como sim ou não. Maniqueísta como o pensamento digital que nos invade o quotidiano por estes dias.
Pois, não sei. É simples. Não? Ah, tenho de ter opinião, é isso. Sim, é verdade que é para isso que me pagam nesta página. Mas haverá nas dúvidas sobre este assunto tanto ou mais pensamento do que nas certezas que me apresentam. Todos os que foram investigar a sério o que está em causa aqui sabem que não há nada claro, evidente, e não há nada que seja obviamente nem bom nem mau para a humanidade e o seu futuro.
Isto não é apenas uma questão de velhos contra novos. De modernos vs. antiquados. A Uber é um desses serviços novos que fazem negócios antigos através de aplicações proporcionadas pela digitalização e pela internet 2.0. Vive da desregulação da economia como a conhecíamos. Aparentemente, coloca o poder nos cidadãos – o que, em princípio, seria bom. Uma miríade de transportadores agarraria no seu carrinho e punha-se a transportar clientes que lhe chegavam através de uma aplicação.
Acontece que não é bem assim. A aplicação é fornecida por uma grande empresa, multinacional. E, escavando as aparências, percebemos que, afinal, os cidadãos colocam-se – e aos seus pequenos negócios – nas mãos de uma entidade supranacional. Que ela seja mais ou menos desconhecida, que tenha morada fiscal em lugares que poucos impostos pagam ou que, pelo menos, poucas regras aplicam, não é de somenos nesta história. Apoiada por investimentos de outras entidades que vivem do mundo digital e estão a monopolizar o real.
A questão Uber vs. táxis não tem nada de tipicamente português exceto a parte que é tipicamente portuguesa. Em Nova Iorque, os motoristas que trabalham com a aplicação rebelaram-se por causa do valor que tinham de pagar pelo seu uso, dado que os preços que praticam são demasiado baixos – ou seja, ao preço a que são os táxis nos EUA, faz sentido usar este serviço por ser low cost, uma questão que não se coloca em Portugal. Em países como o México, ou até a Índia, para falar de dois continentes diferentes, usar um uber é ter mais segurança – a desregulação total do mercado chegou ao ponto da criminalidade. Por cá, apesar do desconforto, ainda não é assim.
É por tudo isto que não há uma resposta unívoca nesta diatribe. A utilização dos serviços da Uber por todas as pessoas que conheço faz-se por razões que poderiam ser facilmente resolvidas, houvesse entre os taxistas quem verdadeiramente percebesse que eles não são uma classe, nem um partido, nem um grupo ideológico ou religioso, mas, simplesmente, empresários que prestam um serviço. É sobre esse serviço não ser fornecido em condições que se queixam todos os que passaram para os ubers. Queixas sobre educação, civismo, segurança na estrada, cuidado, bom serviço…
E eu, que de cada vez que ouço mais um taxista ser racista, juro que nunca mais entrarei num táxi, e, a seguir, vou num uber perfumado e silencioso, logo a seguir encontro um taxista cortês que me propõe ficar à espera até que entre em casa, e, na noite a seguir, ouço as queixas de um condutor de uber que ficou desempregado aos 50 anos e não consegue trabalho, mas também não chega ao fim do mês com o que tira ali – mesmo sem licenças ou impostos –, não consigo ter uma e só uma opinião sobre este assunto.
[Publicado originalmente na edição de 8 de maio de 2016]