Socorro, não consigo cuidar deste bebé!

Maternidade

Ser mãe nem sempre é fácil, sobretudo nos primeiros anos do bebé. Como sobreviver a um dos maiores desafios da vida?

De repente, a criança nasce, a realidade torna-se difícil de (di)gerir e a mulher sente-se incapaz de ser mãe. E se um toque de magia for a chave para uma maternidade feliz?

«Não sei se vou conseguir ser uma boa mãe.» As palavras saem-lhe da boca como se fossem as letras da sua canção preferida. Há um tom de insegurança na voz que dentro de poucas semanas vai estar a embalar a pequena Margarida. Paro quando a oiço. À minha frente está uma mulher prestes a ser mãe pela primeira vez, e que até àquele dia nunca duvidara das suas capacidades para cuidar da menina que ainda cresce dentro de si. Mas a gravidez está quase a chegar ao fim, o parto aproxima-se, e quando a filha nascer nada vai ser igual. «E se eu errar? E se eu não conseguir? E se eu não estiver à altura?» Cátia tem dúvidas, carrega receios, deixa-se abalar pelo medo.

Foi a pensar em futuras mães como a Cátia, e em mães que estão a atravessar períodos de maior dificuldade associados aos primeiros anos da maternidade, que a terapeuta de bebés Constança Cordeiro Ferreira escreveu O Livro de Magia das Mães (ed. Matéria-Prima). Leu bem: magia. «Quando neste livro falo de um corpo que começou há milhões de anos a produzir leite para alimentar as crias, quando falo de “mães que leem a mente”, cujo corpo aumenta a temperatura para aquecer o bebé, ou que acordam ainda antes de ele chorar, estou a falar de biologia. Do que a ciência descobriu. Não precisamos de lhe chamar magia, mas para mim é quase isso», refere a autora, crente nos processos biológicos mas também no distinto poder das mães. Com este último depara-se diariamente, a toda a hora. «Faz-se com o toque, com a empatia, com a ligação que se cria e não se explica», diz.

O livro, que surge depois do sucesso Os Bebés Também Querem Dormir, está cheio de histórias que, para a autora, são verdadeiramente mágicas. «Muitas delas nasceram precisamente de momentos muito difíceis, de desespero e incerteza. É precisamente nesses momentos que as mães mais precisam de encontrar a magia.»

Há mais de oito anos a trabalhar com famílias, Constança não nega que, para qualquer mulher, os primeiros meses com um bebé possam ser duros. Depois do parto há, na verdade, dois recém-nascidos: o bebé e a mãe. «Perguntamo-nos muitas vezes de onde vêm os bebés, embora a pergunta deva ser: de onde vêm as mães?» A autora, mãe de dois filhos, ainda não descobriu uma resposta válida para esta pergunta. Talvez porque a maternidade está longe de ser universal, não é uma disciplina exata e não chega a todas as mulheres da mesma forma. Os dilemas diferem, as decisões a tomar também. É um processo individual, diferente de mulher para mulher, de gravidez para gravidez, de bebé para bebé. Nem mesmo quando falamos de gémeos a experiência é igual.

Dada esta complexidade, «com os pós-partos a serem vividos de forma solitária e as mulheres a falarem pouco entre si, sabe-se hoje muito pouco sobre o que significa tornar-se mãe para uma mulher», diz Constança.

De repente, há uma criança que chora compulsivamente quando tem fome, que não dorme nem deixa dormir, que pode rejeitar a mama que a alimenta. Será possível conviver com esta ideia de maternidade, sem desesperar com os momentos difíceis?

Acontece que por vezes não são só momentos. Muitas mães dão por si desamparadas, imersas na dificuldade a toda a hora. Para elas, tudo está a ser um tormento. E o cansaço ou a indecisão só faz que sintam que estão a fracassar. «Qualquer mãe que se confronte com um bebé que chore, que peça colo, que sinta dúvidas, vai sentir essa sensação de fracasso. É o referencial que está errado, não a realidade», sublinha a terapeuta de bebés.

«Estamos inseridas num modelo que subalterniza e infantiliza as mulheres de um modo geral. Fala-se das mães quase como uma piada: cheias de hormonas, desorganizadas, desinteressantes para a sociedade porque supostamente estão menos disponíveis para a produtividade e trabalho. A vulnerabilidade, a dúvida, a ambivalência, não são muito bem vistas no nosso contexto social. Então, para se resolver isto, criam-se manuais de instruções e regras, de descrições de cenários simplistas e ideais que parecem atrativos mas que na vida real não resultam.» E depois é o que se vê: mães atulhadas de informação mal veiculada, confusas e perdidas, sem saberem o que fazer, e como o fazer.

No seu consultório no Centro do Bebé, em Lisboa, Constança recebe-as aflitas, com as crianças nos braços. «Chegam-me por motivos muito concretos: porque estão com dificuldades em amamentar, porque o bebé chora muito e não conseguem perceber porquê, porque não dorme e por consequência toda a família está em desespero.» Até certo ponto, tudo isto é normal nos primeiros anos. Quando nascem, os recém-nascidos trazem consigo a expectativa de continuidade, contacto, segurança e alimento. Esperam a mesma atenção que receberam durante os nove meses no útero da mãe. Mas cá fora tudo é novo. A mãe está a adaptar-se à presença de um bebé, que por sua vez está a adaptar-se a um mundo que ainda não conhece. Enquanto ele tenta compreender a vida à sua volta através dos sentidos, as mães tentam compreender aquele ser pequenino através dos livros. E é aqui que muitos dos problemas começam.

«Frases como “Não nasci para isto” ou “Achei que me tinha preparado tão bem, mas…” espelham o abismo entre o ser ou não ser capaz.»

O que se passa com estas mulheres é que «estão a tentar reproduzir um padrão externo e ainda não descobriram o seu próprio estilo de ser mãe, a sua forma individual, a sua capacidade. Não são precisos workshops, nem cursos, nem sequer ler livros para se ser mãe. São os nossos filhos que nos fazem mães», sublinha Constança. Daí ser essencial olhar verdadeira e atentamente para o bebé.

Igualmente fundamental é que a mulher nunca deixe de olhar para si, por si, para alcançar um equilíbrio saudável entre as suas necessidades e as da sua criança, sem chegar a um estado em que se sente privada das necessidades básicas (comer, descansar e dormir) e de outras que, não sendo essenciais, são também importantes. «Às vezes, o que a mãe precisa é do carinho, do colo e da empatia de alguém para consigo. Alguém que a oiça, que a cuide um pouco, com quem possa desabafar.» No fundo, alguém que a ajude a acreditar que tudo irá ficar mais fácil e de que ela é capaz. Porque é mesmo.


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