Pedir desculpa não é um sinal de fraqueza – é, isso sim, uma forma de restaurar relações e mostrar empatia para com a outra pessoa. Claro que nem sempre é o suficiente para corrigir um erro, mas é um bom princípio.
Porque chegamos atrasados, porque ferimos sentimentos, porque nos esquecemos de fazer alguma coisa, porque dizemos o que não devíamos ter dito. Há muitas razões para andarmos tantas vezes com a palavra «desculpa» na boca. E fazemos bem: não custa nada dizer e é bom ouvir. Mas, como se sabe, um pedido de desculpas não é garantia de que se seja desculpado. «Pedir desculpas e ser desculpado», diz o psicólogo Jorge Elói, «podem ser eventos dissociáveis: um pode existir sem o outro». Apesar disso, um pedido de desculpas ajuda. E tendemos a ser mais brandos e mais benevolentes perante alguém que reconhece um erro, o lamenta e verbaliza. «É um “catalisador”. Não garante que se seja desculpado, mas propicia-o», diz o psicólogo.
Mas não se trata de pedidos de desculpas quaisquer. Apesar de não haver maneiras certas e erradas de lamentar uma falha, umas são mais convincentes do que outras. «A forma mais credível é a que junta a congruência da linguagem verbal com a não verbal e com as próprias atitudes», diz Jorge Elói. «As desculpas não se pedem, evitam-se», diz o ditado. O psicólogo admite que, na maioria das vezes, a expressão mostra pouca tolerância da pessoa que a utiliza em relação ao erro alheio, mas acontece essencialmente «quando um pedido de desculpa se repete desnecessariamente para um mesmo erro ou para um semelhante». A verdade é que tendemos a encarar um pedido de desculpas como uma vontade de mudança, mas isso nem sempre acontece. E às vezes não lamentamos o que fizemos – lamentamos apenas ter sido apanhados.
Diz o dicionário que desculpa é «uma alegação atenuante ou justificativa de culpa, uma expressão de arrependimento». Será? Comecemos por uma ideia feita em que muitos acreditamos ou que já ouvimos a alguém: para algumas pessoas é muito difícil pedir desculpa. Porque será? Vários estudos têm concluído que uma pessoa que pede desculpa corre o risco de ser percecionada como alguém com menos poder e competência. Um estudo recente da Universidade de Queensland (Austrália), publicado no European Journal of Social Psicology, revela que, na realidade, não pedir desculpas nos faz sentir melhor, porque nos achamos fortes e com mais autoestima.
«As desculpas pedem-se quando se cometem erros e há várias forças evolutivas, culturais e mesmo pessoais, que nos impelem a não aceitar e assumir o erro, ou seja, a evitar dizer desculpa. Para muitas pessoas, dar esse passo é um verdadeiro desafio, por ser sinónimo de imperfeição ou, até mesmo, submissão.»
Erro. Culpa. Arrependimento.
Terá qualquer destas palavras alguma coisa de linear? Quase nada é linear, ou não fossemos nós tão complicados. Para já, porque para pedir desculpa não precisa de estar implícito que tenhamos verdadeiramente cometido um erro. Pelo menos da nossa perspetiva. «Cada um de nós constrói um mapa-mundo pessoal e singular para explicar a realidade que nos circunda», diz a coach Ana Mina. «Quando tentamos compreender o outro, só temos à nossa disposição o nosso mapa-mundo. Aquilo que faz sentido para nós, pode não fazer para o outro: quando eu acho que o outro errou, o outro pode achar que não.» Por isso, e apesar de se dizer muitas vezes que há pessoas com muita dificuldade em admitir o erro, a coach entende que as dificuldades surgem ainda antes dessa etapa: «Talvez a fonte da discórdia esteja ainda na etapa anterior: discernir se aconteceu um erro ou não.»
E isso leva-nos à pergunta fatal: devemos pedir desculpa por aquilo que achamos que fizemos de errado ou por aquilo que os outros acham que fizemos de errado? As respostas também não são lineares. «“Devem” é uma palavra traiçoeira», diz Ana Mina. «Quando equacionamos se as pessoas “devem” ou não pedir desculpa, o que temos em mente? Se as pessoas “devem” pedir desculpa tendo em conta um princípio moral ou espiritual? Legal? Ou tendo em conta a harmonia da relação? Ou a paz de espírito dos intervenientes? Ou a necessidade de autenticidade de quem pede desculpa? Ou o que é mais prático e dá menos chatices? É interessante ter presente estas questões quando refletimos sobre este tema.»
A verdade é que, muitas vezes, pedir desculpa, tem pouco que ver com admitir a culpa, assumir um erro ou expressar um arrependimento. É simplesmente fazer a outra pessoa sentir-se melhor, reestabelecer a confiança que ela tem em nós e lamentar o desconforto ou inconveniente causado. «É uma forma de reafirmar as “regras” da relação, de reforçar o acordo implícito que há, de repor expectativas, de deixar de novo subentendido o tipo de relação que duas partes querem ter em conjunto, e do que é aceitável ou não entre elas», explica Ana Mina. Porque quando alguém comete uma ação que magoou ou deixou outra pessoa desconfortável e não pede desculpas, a relação é transformada por esse evento. «O contrato implícito da relação reposiciona-se num patamar de confiança inferior, ou conduz mesmo à rutura, dependendo da gravidade da ação e da incompreensão mútua.» No fundo, o que estamos a dizer a alguém, cada vez que lhe pedimos desculpa por alguma coisa que fizemos, é: «Vamos deixar que a nossa relação continue como estava antes de isto acontecer.»
Uma função social importante
Mas pedir desculpas cumpre também – e talvez antes de tudo – uma função social: cria ou restabelece vínculos, promove a cooperação, o reconhecimento pela situação do outro, expressa empatia e cordialidade. Tanto é que podemos pedir desculpas por coisas que estão além da nossa responsabilidade, como o trânsito ou o tempo. «Hi
folks. Well, I’m sorry about the rain.» («Olá a todos. Bem, peço desculpa pela chuva.») foi assim que o ex-presidente Bill Clinton começou um discurso, em agosto de 1995, lamentando o mau tempo que se fazia sentir numa conferência ao ar livre. A expressão é mais usada em inglês – pelo facto de «I’m sorry» tanto poder significar «peço desculpa» como «lamento» por alguma coisa inconveniente mas que nos é completamente alheia – mas também a usamos em alguma situações.
Se calhar, como a idade e a experiência de vida nos ensinam, está na hora de deixar de achar que a palavra é apenas uma admissão de culpa e de arrependimento por um erro e passar a encará-la como aquilo que realmente é: uma expressão de pesar por uma situação desconfortável para alguém. Independentemente de quem «errou».
DESCULPA OU CULPA?
Se no dia-a-dia, nas relações pessoais, nem sempre o mais importante é averiguar culpas, no que toca a casos judiciais a situação é diferente. Mas nos últimos anos, o poder legislativo – nos Estados Unidos da América viu-se obrigado a criar leis específicas para que quem pede desculpa não veja essas palavras voltadas contra si próprio. As chamadas «Apology Laws», em vigor na maioria dos estados, impedem que quem pede desculpa veja esse ato ser usado em tribunal como uma prova de admissão de culpa. A situação aplica-se, por exemplo, a médicos que exprimem o seu pesar por efeitos secundários de tratamentos ou a condutores que pedemdesculpa a outros condutores depois de um acidente em que estiveram envolvidos. Uns e outros quando o faziam – e muitas vezes apenas no sentido de expressar o seu pesar por algo de mau que aconteceu – e acabavam sentados no banco dos réus com o seu pedido de desculpas a ser usado como uma confissão de culpa.
QUER DIZER «OBRIGADO»? ENTÃO NÃO PEÇA DESCULPA
No final do ano passado, Yao Xiao, uma ilustradora chinesa radicada em Nova Iorque, publicou na internet uma ilustração – que acabou por se tornar viral nos meios de comunicação social e no Facebook – onde demonstra que é frequente pedirmos desculpa quando, na realidade, talvez o mais indicado fosse dizer «obrigado». Os momentos ilustrados mostram a diferença entre estas duas formas de expressar sentimentos, em situações do dia-a-dia: chegar atrasado a um compromisso, e dizer o clássico «desculpa, chego sempre atrasado…», em vez de dizer «obrigado pela tua paciência » é um bom exemplo. Nos vários momentos a ilustradora mostra uma atitude enfadada, perante o pedido de desculpas, que é substituída por uma reacção mais positiva, quando é feito um agradecimento.