Já é conhecida a lista de nomeados para os Óscares. Não há portugueses entre eles, mas pode ser que um dia o sonho se torne realidade. Nos últimos anos, dezenas de jovens rumaram a Nova Iorque para estudar em algumas das melhores escolas de atores do mundo. O investimento é avultado e não garante uma estrela no passeio da fama de Hollywood.
Zé Maria Brion (na foto de abertura) sentia que ainda não tinha aterrado em Nova Iorque, dois meses a procurar casa, resolver burocracias, decorar nomes de colegas, decifrar o funcionamento do metro, e ali estava ela, mesmo à sua frente, heroína de tantos filmes, estrela maior entre todas as estrelas, vestida de preto, cabelo apanhado, a estender-lhe a mão, e a sorrir: Meryl Streep.
Foi em novembro de 2014 e o português estava a trabalhar como voluntário no Gotham Screen Film Festival. Na entrada do teatro, em apenas dois dias, ainda deu as boas-vindas a atores como Uma Thurman, Patricia Arquette, Jake Gyllenhaal, Ethan Hawke, Scarlett Johansson, Amy Schumer ou Hilary Swank. «Era apenas um voluntário, mas não deixou de ser uma experiência incrível. Tinha acabado de chegar de Portugal e estava completamente deslumbrado », lembra o lisboeta de 24 anos. «Isso dá-te uma vontade enorme. Ver aquelas pessoas que admiras e que conseguiram, que venceram, perceber que estão ali, ao teu lado, que são reais.»
Zé Maria é apenas um entre as dezenas de portugueses que na última década vieram para Nova Iorque estudar representação e tentar construir uma carreira no mundo do cinema e da televisão. Para ele, e para todos os que sonham vingar como ator, nomes como New York Film Academy (NFYA), William Esper Studio e Lee Strasberg Theatre and Film Institute são familiares. Mas frequentar uma destas escolas, por onde também passaram estrelas maiores como Marlon Brando, tem um preço: com propinas superiores a 14 mil euros por semestre em alguns casos, e somando despesas de estada e alimentação numa das cidades mais caras do mundo, um curso de dois anos facilmente representa um investimento de quase cem mil euros. E é apenas o princípio de um percurso que inclui centenas de audições, milhares de horas a servir às mesas e nenhumas garantias, absolutamente nenhumas, de uma carreira.
Madalena Mantua (na foto), de 26 anos, estava a viver em Londres quando começou a trilhar este caminho. Reparou num anúncio para audições na NYFA, decidiu participar – «Porque não?» – e foi aceite. Ofereceram-lhe uma bolsa, que reduziu as propinas de 31 500 dólares anuais (cerca de 29 mil euros), e ela decidiu partir para os Estados Unidos.
A lisboeta já tinha completado o curso de representação da ACT – Escola de Atores, em Lisboa, e vivia em Londres há dois anos. Sempre sonhara vir para os Estados Unidos, mas acabara por ficar na Europa quando decidiu sair do país. «Na altura fez mais sentido, por ser mais perto de casa», explica.
Em Londres escolheu a Guildhall School of Music and Drama. «E acabou por ser brutal. Estudei os clássicos, Shakespeare, Tchekhov, e percebi que isto era mesmo o que queria fazer. Não era mais a brincadeira de miúda de cabelo curto, que punha uma toalha na cabeça e fingia que era outra pessoa.»
No final do curso, começou a trabalhar m bares e cafés para pagar as contas e o sonho foi sendo esquecido. Comecei a fazer muito dinheiro e a minha agência, vim perceber mais tarde, era um pouco scam fraudulenta]», lembra. E assim foi, até o dia em que viu o anúncio para as audições a NYFA.
Os primeiros tempos em Nova Iorque não foram fáceis. Os norte-americanos não entendiam o seu humor, que tinha sido tão bem acolhido pelos ingleses. Mesmo com o dinheiro poupado e a ajuda dos ais, as despesas eram muitas e obrigavam um ajustamento constante – em busca da casa certa, com um preço razoável, mudou-se quatro vezes num ano. mas a escola compensou tudo. «A partir o momento em que decidi que queria fazer cinema, este é o país certo para isso», garante. «Não quero falar mal de Portugal da sua produção, mas é muito à base e novelas, e não é isso que me apetece fazer. Queria provocar nos outros aquilo que sinto quando estou no cinema e alguém e faz rir, ou emociona, ou faz sentir desconfortável. É isso que eu quero. esse o sonho.»
Na NYFA, os seus dias começavam com yoga, seguiam-se aulas de dicção e de representação, segundo o método de Meisner, uma das principais técnicas de preparação e atores para cinema e teatro, criado por Sanford Meisner. Também prendeu a estar por detrás da câmara, a filmar e a editar. Acabou por não fazer o segundo ano do curso, por ser muito semelhante o primeiro, e começou a participar m dezenas de castings. Mesmo quando pediam uma loura nórdica, Madalena, cm pouco mais de metro e meio, morena, cabelos em cachos, participava, para perder os nervos, para perceber como é que estas seleções funcionam. Participou também em filmes de estudantes de cinema, em peças de teatro amadoras e fez muita figuração. «Mas percebi que se queria começar a participar em projetos que me diziam algo, devia ter a iniciativa», diz. «Se é para fazer algo com poucos meios, que seja uma coisa em que acredito e que desenvolvo.»
Fundou então uma produtora com uma colega de curso brasileira, Ana Caroline Rosaline. A empresa chama-se Two on Stage e foca-se em projetos para duas ou três personagens, interpretados pelas duas amigas. Em janeiro farão uma versão de Waiting for God, mas com duas mulheres, e têm uma série para a Internet já gravada, com o título To be honest, que explora as pequenas histórias de qualquer jovem internacional que se muda para Nova Iorque.
A produtora ainda não é rentável e, por isso, Madalena vai trabalhando em cafés. Continua também a ir a castings e a fazer figuração. Participou, por exemplo, na rodagem de Trainwreck, a comédia romântica de Amy Schummer que estreou no verão passado. Além do dinheiro (recebe cerca de oitenta dólares por trabalho, que pode ser apenas duas horas ou um dia inteiro) e de querer sentir que faz parte de algo maior, tem outra motivação. «Pensas sempre que podes ter sorte, um realizador reparar em ti, ver algo especial e escolher-te para um papel», explica, sorrindo. «Há sempre essa esperança.»
E é essa esperança, alimentada por histórias que os jovens trocam entre si, que continua a motivá-los. Zé Maria Brion tinha acabado de chegar à cidade quando um dos seus professores reparou numa colega sua. Dias depois, a jovem estava em Los Angeles para participar num casting que o professor lhe arranjara. «E assim, quase do nada, conseguiu um papel no último filme X-Men», conta Zé. «Já não voltou à escola. Ficou na Califórnia.»
Tiago Castro (na foto), de 32 anos, esperou vários anos por um momento assim. O ator era uma figura conhecida quando, em 2008, aterrou em Nova Iorque pela primeira vez. Nos Morangos com Açúcar da TVI tinha desempenhado o papel de Crómio, uma das personagens mais carismáticas da série, que muitos espetadores ainda recordam. Participou depois em outras novelas e chegou à final da segunda temporada do programa Dança Comigo, da RTP. «Para mim, mudar-me para Nova Iorque foi começardo zero», lembra.
Tiago começou a estudar representação com 15 anos, na escola profissional Balleteatro, no Porto, e mais tarde completou o Conservatório de Teatro, em Lisboa. Foi quando fez um workshop com John Frey, o primeiro profissional a levar a técnica de Meisner para Portugal, que começou a pensar estudar fora do país. «Além de gostar do método, pesquisei e vi que, no portal backstage.com, diziam que o William Esper Studio era o melhor sítio para atores», conta.
Mudou-se para os EUA com um amigo e a namorada da altura, ambos atores. Conseguiu uma bolsa que, junto com as poupanças dos tempos dos Morangos, pagou as despesas do curso. Alugou casa em Newark, no estado de Nova Jérsia, onde as rendas são muito mais baratas, para durante os dois anos do curso poder dedicar-se inteiramente à representação. «Vinha só mesmo estudar, fazer o curso, e tinha toda a intenção de voltar, até porque sabia como era difícil conseguir visto», diz. Acabou por ficar cinco anos.
«Comecei logo a receber feedback muito positivo. Diziam-me que tinha muitas hipóteses de singrar como ator.» Foi apenas no final do curso, quando lhe disseram que, com o seu currículo, podia candidatar-se a um visto para pessoas com capacidades extraordinárias, que decidiu arriscar uma carreira no país. Foi um investimento de vários milhares de dólares em taxas e despesas legais, mas, passados alguns meses, recebeu em casa um Green Card, o desejado cartão verde que autoriza a residência no país.
Os professores continuaram elogiando o seu talento, os diretores de casting oferecendo palavras encorajadoras, os colegas expressando admiração, e Tiago começou a acreditar que, se calhar, até havia um sonho americano reservado para si. «Foi muito bom no sentido em que percebi que estava ao mesmo nível que os outros. Vindo de um país pequeno, é fácil pensar que estamos abaixo, que os outros são superiores, que tudo é inacessível, mas isso não é verdade.» Uma coisa percebeu logo, era bem diferente de Portugal. «Os níveis de exigência são mais altos. Tudo é feito com absoluto profissionalismo. Mas eu preparava-me muito. Sabia que eram mil cães a um osso.»
Nos EUA, a representação é um negócio de muitos milhões, e Tiago percebeu isso assim que entrou na William Esper. Orientações mais ou menos esotéricas sobre sonhos e o poder da vontade dão lugar a conselhos concretos. Os professores insistem: descobre o teu perfil, aceita-o, desenvolve-o. Identifica o teu nicho, pesquisa sobre ele, sabe que outros atores o ocupam, pensa como podes explorá-lo, como deves apresentar-te, que pessoas deves conhecer. Tens de ter uma excelente headshot, gasta dinheiro nisso, contrata um profissional. Não aceites qualquer agente, procura um que trabalhe na tua área, cuidado com as burlas. Tiago seguiu todos os conselhos.
Passado pouco tempo, estava a participar em peças da Off Broadway, que na maioria das vezes não eram pagas, mas também a fazer publicidades para televisão, que eram muito bem pagas. Depois de dezenas de aulas e meses de treino, eliminou o sotaque. Assinou contrato com um agente. Ainda assim, não conseguia dedicar-se exclusivamente à representação. Muitos dos portugueses que vêm para Nova Iorque pertencem a famílias com meios financeiros, que suportam todos os seus custos, mas Tiago não teve essa opção. Começou a trabalhar em restaurantes. «Conheci muita gente que tinha essa facilidade, a quem a família pagava todas as contas. Se pudesse escolher, claro que preferia ter estado completamente disponível. Mas tem o lado da experiência humana, que não esqueço, e que me fez crescer. Pode ter-me limitado e privado de algumas experiências, mas ofereceu- me muitas outras.»
Em 2013, Tiago encontrou o anúncio para um casting aberto para uma longa-metragem. A personagem era perfeita para si. Foi vestido como a personagem, o que não é habitual, e conseguiu o papel. O filme chama-se Jersey Shore Massacre, pode ser visto no Netflix, e foi a maior produção em que participou nos EUA, com um bom salário. No mesmo ano, participou numa campanha mundial das canetas BIC e numa publicidade de televisão para a Xbox. Meses depois, voltou para Portugal. «As coisas provavelmente nunca me tinham corrido tão bem como na altura em que decidi regressar», lembra. «Mas tinha muitas saudades, não só de casa e da minha família, mas também de representar na minha língua.»
Tiago está agora com a companhia Teatro Educa, a fazer espetáculos por todo o país, e espera conseguir trabalhar entre os dois países. Mesmo que não seja possível, acredita que a experiência não foi em vão. «Valeu a pena. Sem qualquer dúvida. Sou um homem diferente, que dá mais valor à minha profissão, ao trabalho. Sou um ator mais completo e preparado.» Os colegas de trabalho, garante, também reconhecem isso. «Mais do que eu dizer que fiz isto ou aquilo, as pessoas percebem que houve evolução no meu trabalho, que tenho mais maturidade, mais disciplina.»
Assim como Tiago, muitos atores conhecidos dos portugueses passaram por Nova Iorque. Benedita Pereira, que está nos ecrãs da TVI como protagonista da novela Santa Bárbara, viveu os últimos seis anos no país. Ivo Canelas, vencedor de dois Globos de Ouro, estudou no Lee Strasberg, e viveu na cidade quatro anos. Pedro Carmo, que os portugueses viram em A Única Mulher na TVI este ano, frequentou a NYFA e a Lee Strasberg e fez parte do elenco de Breakfast at Tiffany’s, na Broadway, e da série Pan Am. Passaram ainda nas escolas da cidade Helena Costa, João Cajuda, Vera Kolodzig, Inês Castel-Branco, Mariana Monteiro, Marta Faial e muitos outros. Mas depois de Joaquim de Almeida (Lee Strasberg), apenas Daniela Ruah, com um papel na popular série NCIS: Los Angeles, que vai na sexta temporada, agarrou aquela oportunidade definitiva, segura, que garante uma carreira no país.
Outros parece que estão perto de o conseguir, durante anos, mas que a fama e fortuna lhes escapa sempre entre os dedos. No início do ano passado, a Notícias Magazine contou a história de Kika Magalhães (na foto), que participou num filme de ficção científica produzido por Gus Van Sant e desempenhou o papel de mulher de Stephen Baldwin num outro filme. A atriz nunca se esquecerá do dia em que um produtor entrou no seu restaurante pedindo que deixasse de trabalhar. Kika tinha descoberto no dia antes que conseguira o papel no filme de Gus Van Sant, mas continuava a precisar de ganhar dinheiro. «Podes deixar o teu trabalho?», pediu-lhe o produtor. «Gostávamos que te dedicasses apenas ao filme a partir de agora.»
Passaram-se mais de dois anos sobre esse dia, e Kika teve outras oportunidades, mas uma carreira como atriz que lhe pague as contas continua a ser uma luta diária. «É um esforço constante. Mesmo com o que alcancei, continuo com problemas financeiros. Todos os dias tenho de lutar, ir em busca de mais papéis. Todos os dias são uma luta», explica. O último filme que fez, The Eyes of My Mother, era uma produção independente e, por isso, pagou pouco. Kika decidiu fazê-lo com a esperança de que a película entrasse no festival de Sundance e desse projeção ao seu trabalho. Depois de dois anos a viver da representação, teve de regressar aos restaurantes. «Estar a trabalhar em filmes e ter de voltar aos restaurantes é mesmo do pior», admite. «Falto imenso para ir a castings.»
A verdade é que começar é o mais fácil neste percurso. Zé Maria Brion sempre soube que queria ser ator, mas acabou por estudar Gestão na Universidade Católica. Mudou-se depois para Londres, onde fez um mestrado em Finanças e umas aulas de representação no The Actors Centre. No final do mestrado, percebeu que, se representar era mesmo o seu sonho, aquele era o momento de arriscar. Um currículo, uma carta de motivação e uma entrevista por Skype mais tarde e era aceite na Lee Strasberg – ao contrário do que se possa pensar, depois de se provar que se consegue pagar as propinas, é fácil ser aceite nestas escolas.
Na escola de Union Square, metade dos seus colegas eram norte-americanos e a outra metade estrangeiros que vinham de todo o mundo, incluindo Brasil, Itália, México, Grécia, França, Espanha, Reino Unido, Croácia, Rússia e Austrália. «Aqui há muitas oportunidades, mas também estamos a concorrer com pessoas de todo o mundo, com muito talento», diz Zé. «Decidi que, para mim, o melhor sítio para começar seria em Portugal.»
Desde o verão em Lisboa, está a inscrever-se em agências e a procurar um agente. «Vou fazer casting para tudo o que aparecer», admite. Sem experiência na área e quase sem contactos, que teria feito numa escola em Portugal, não se arrepende de ter estudado em Nova Iorque. «Não sei se tenho uma formação melhor do que aquela que teria tido no país, mas tenho uma formação muito mais específica, que não existe cá», explica. Zé queria aprender Method Acting, um conjunto de técnicas de representação celebrizadas por Constantin Stanislavski e seguido por atores como James Dean, Robert de Niro ou Jane Fonda. «E a Lee Strasberg é o sítio certo para o aprender.»
Muitos atores experimentam também ir para Los Angeles, como Isabel Caxide (na foto), de 20 anos. A jovem do Porto está a fazer a licenciatura em Acting for Film da NYFA que, com um preço de 12 375 dólares por semestre, representa um custo de 99 mil dólares (cerca de 93 mil euros), apenas em propinas. Isabel podia ter feito os três anos do curso em Nova Iorque, mas optou por fazer apenas um, completando a licenciatura na Califórnia. «É aqui que está o centro da produção de televisão e de cinema, é onde existem mais oportunidades», explica. «Existe mais concorrência, sim, mas em Nova Iorque também existe muita. As probabilidades são sempre pequenas.»
Isabel representa desde criança. Na Escola Inglesa, no Porto, foi Dorothy de O Feiticeiro de Oz, e Rei Louie, de Livro da Selva. Aos 10 anos, já tinha decidido que queria ser atriz e escolhido a escola onde o faria. «Ia ao Google e pesquisava: how to be an actress?», lembra. «A NYFA estava sempre entre os primeiros resultados.» Com família inglesa, ainda ponderou duas escolas em Londres, mas depois de muita pesquisa, feita durante o ano de pausa em que viajou à volta do mundo com a mãe e a irmã, ficou decidido que as pesquisas da pequena Isabel, feitas anos antes, estavam mesmo certas.
Isabel fala com a convicção de uma jovem de 20 anos, com o conforto que o apoio sem reservas da família proporciona. Diz que está na cidade para «go big or go home», que procura papéis que a desafiem sempre, que não quer ficar acomodada. Também imagina quando chegará o seu dia, aquele momento mágico com que todos os atores sonham, o instante que mudará a sua vida. «Tenho de acreditar que um dia alguém vai olhar para mim e pensar: É ela! É ela! É exatamente aquilo de que estamos à procura.»
Momentos depois, num desabafo que talvez a surpreenda a si mesma, diz que ficará em paz mesmo que isso nunca aconteça. «Posso nunca ter um momento destes, que me mude a vida, me torne uma estrela, e mesmo assim ter uma carreira com papéis pequenos e a fazer aquilo de que gosto», diz a jovem que, minutos antes, anunciava que queria ser uma heroína da Marvel, uma estrela de ação com êxitos de bilheteira em todo o mundo. «E seria feliz com isso.»