
Tantas conclusões a tirar das eleições presidenciais. Mostram um país cheio de contrastes, às vezes à frente do seu tempo, às vezes velho, às vezes anacrónico.
Portugal é um país a duas velocidades. Uma frase batida que só peca por defeito. Portugal é um país a tantas velocidades que envergonharia qualquer protótipo de Fórmula 1. E o que pode não ser muito positivo para os rankings da socioeconomia torna-nos um país extremamente divertido, porque analisável de vários ângulos e pontos de vista.
1 Tivemos umas eleições com uma das mais elevadas taxas de abstenção de sempre – 49,9 por cento. Praticamente metade dos eleitores não foi votar. Pois durante o tempo que levei a entrar na universidade onde voto, a votar e a voltar para trás, esteve uma senhora de idade incontável a percorrer o espaço de cerca de cinco metros entre a porta do edifício e a carrinha da junta de freguesia que a levara a exercer o seu direito. Portugal é o país da abstenção, de pessoas que simplesmente não mexem uma palha para escolher quem lhes molda o destino. E no entanto havia aquele exemplo de tenacidade.
2 Talvez a campanha eleitoral que tivemos esteja já a responder aos números da abstenção. Explicando melhor: com exceção de Edgar Silva, o candidato do PCP, não houve uma campanha eleitoral propriamente dita, ou como até agora as conhecíamos. Não houve cartazes espalhados, nem tempos de antena milionários, nem comícios ou jingles feitos para o efeito. E o candidato que ganhou conseguiu-o sem ter colado um único autocolante numa lapela. Dir-me-ão: andou os últimos dez anos a fazer campanha. E eu respondo, se assim foi, touché.
Mas não foi, claro, só isso. Todos os candidatos se aperceberam de que estamos todos perigosamente cansados da política – ou pelo menos da forma como ela tem sido, com promessas não cumpridas, confianças traídas e discursos vazios. Tivemos uma campanha pobre em meios, mas inovadora. Próxima. Não por acaso Tino de Rans teve a votação que teve. Arrisca ser diferente num mundo de iguais. E isto sim, torna-nos um país à frente de si próprio.
3 Causou grande escândalo no universo feminino a frase de Jerónimo de Sousa a rejeitar – e a menosprezar – a «candidata engraçadinha» do Bloco de Esquerda, Marisa Matias. De repente, o líder do mais conservador partido português conseguiu pôr em evidência algo que durante a campanha estivera relegado a um plano apenas latente.
E, no entanto, ali estiveram duas mulheres a disputar o cargo mais elevado da nação, sem que isso fosse um assunto de campanha. E muito civilizadamente, aliás, pois haver candidatas mulheres tem de ser tão normal como haver candidatos homens, é da ordem natural da humanidade. Porém, mais um porém, em qualquer país mais sofisticado teria havido uma reflexão séria sobre isto.
Nos os Estados Unidos, onde há uma candidata a candidata à Presidência, os votos das mulheres devem estar a ser analisados ao milímetro. E a forma de os conquistar também. Quantos votos terá a candidata do BE conseguido por ser mulher? E porque é que isso não aconteceu com Maria de Belém? O que as separou na corrida? Na campanha e no discurso? Quantas mulheres, que até aí tinham votado comunista, saíram para votar no Bloco? Nada disto saberemos – isto na era da big data e das estatísticas. E, no entanto…
[Publicado originalmente na edição de 31 de janeiro de 2016]