
Caro Sr. Administrador,
Espero que esta carta o encontre bem de saúde e que os negócios vão correndo. Isto não anda fácil para ninguém, era bom é que aquela malta lá no governo aliviasse a carga fiscal, não é? Um IRC mais baixo, a taxa social única mais amiga das pequenas e médias empresas e, já agora, linhas de crédito em condições, certo? Olhe, e em termos de responsabilidade social e familiar, como vão as coisas aí na firma? Não sabe o que é? Não, não estou a falar dos presentes que costuma dar aos filhos dos funcionários no Natal (não vamos chamar lhes colaboradores, pode ser?). Refiro-me ao seu papel, como dono da empresa ou responsável com funções executivas, na implementação de medidas de apoio à natalidade. Como é que isso vai?
Não se mete na vida das pessoas? Permita que discorde. Isto é assunto que lhe diz respeito a partir do momento em que alguns dos seus trabalhadores, homens, passam menos tempo do que podiam com os filhos porque têm medo do que lhes possa acontecer aí. Sabe que eles se coíbem de gozar a licença de parentalidade a que têm direito pelo nascimento dos filhos, não sabe? E não falo daqueles dez dias obrigatórios logo após o parto. Esses, tenha paciência, são de lei e não há nada a fazer. Falo dos outros dez, de usufruto facultativo, que só alguns tiram. E, mais importante, falo dos trinta que permitem alargar a licença de parentalidade de 120 para 150 dias desde que sejam gozados pelo pai. Nem sabia que isso existia? Pois existe. Deixe-me fazer-lhe um retrato geral: em Portugal, em 2013, 65 por cento dos pais (do total de crianças nascidas nesse ano) gozaram os dez dias obrigatórios e 57% gozaram os outros dez. Apesar de estarem a crescer anualmente, os números não são espetaculares. Mas verdadeiramente embaraçosos são os escassos 25% de homens que aproveitaram a licença alargada. Os tais trinta dias. Na sua empresa, por exemplo, só trabalham homens que engrossam os outros 75%, não é?
É que enquanto esta for a mentalidade vigente em Portugal, enquanto os trabalhadores tiverem medo de represálias por acharem que a coisa pode cair mal, o patrão não vai gostar, os colegas vão torcer o nariz porque vai sobrar para eles, isso é trabalho para as mulheres, que ainda por cima gostam de cuidar dos filhos, não só nestas alturas mas também quando eles ficam em casa doentes ou precisam de ir ao médico, enquanto pensarmos assim… a coisa não vai lá. Para o olho da rua por causa disto, eles sabem que não vão. É um direito que têm, a lei protege-os. Mas têm medo de ficar marcados para a próxima leva de despedimentos. Ou de não serem promovidos. Ou de serem olhados de lado por toda a gente. Entretanto, vamos continuando a acentuar essa separação entre homens e mulheres no que diz respeito a cuidados parentais e partilha de tarefas domésticas. Quem está mais tempo em casa, faz mais trabalho em casa. Quer quando tem os filhos quer mais tarde, perpetuando isto. E, já agora, vincamos também a diferença salarial – um dos argumentos para pagar menos às mulheres continua a ser esse da quantidade de tempo que elas têm de faltar por causa dos filhos, não é?
Eu sei que o senhor não é culpado por a rapaziada estar habituada a que seja a mulher a cozinhar e a tratar da casa e dos filhos. Isso é culpa das mãezinhas e paizinhos deles. Mas se eles forem casados com mulheres que os obrigam a mexer em casa, mas trabalharem num local que continua a cavar um fosso de separação de géneros, a coisa fica mais difícil. Acredite: isso não é vestir a camisola da empresa. Isso é ter medo de a despir por uns dias. São coisas diferentes. E, pior, passa-se tudo debaixo do seu nariz. E disso, sim, o senhor é culpado.
[Publicado originalmente na edição de 17 de janeiro de 2016]