
O Segundo Diário Mínimo, de Umberto Eco, é uma recolha de crónicas feitas em jeito de paródia. Numa das crónicas, ele respondia à pergunta, sempre a mesma, comum e quotidiana: «Como vai?» O intelectual italiano procurou nomes da cultura universal e inventou respostas que se colam ao rasto que eles deixaram. Por exemplo, a esse «como vai?», Albert Einstein teria respondido: «Relativamente a quê?»
Eco desapareceu há dias e não pode, ele próprio, dar a resposta que emprestou ao ressuscitado Lázaro: «Sinto-me reviver.» Certo disso, Eco deixou, para nossa felicidade, um stock de 172… como chamar a isto… digamos «epigramas», que relacionam sempre a mesma pergunta, «como vai?», à diversidade de personagens históricos. Como vai? O rei inglês Henrique VIII diria: «Eu bem, a minha atual mulher é que…» Édipo seria malicioso e incestuoso: «A minha mãe não se queixa.» O Dr. Livingstone: «Well, I presume.» Freud responderia, como se a pergunta viesse do divã: «Diga você…» Como vai, Maomé? «Nem me posso mexer, a montanha tem de vir até mim.» Masoch: «Graças a Deus, mal!»… E assim por diante.
Não vou copiar mais, só a última frase com que Umberto Eco acaba a sua crónica: «Leonardo da Vinci limita-se a sorrir ambiguamente.» Não copio mas plagio, o que é sempre uma homenagem ao espoliado. Vou tentar adaptar a ideia de Eco a portugueses, famosos, menos famosos e gente da rua. É um exercício que já fiz, há 15 anos, na falecida revista Grande Reportagem (que também não teve a sorte de Lázaro, continua falecida).
Como vai? Vasco da Gama: «De vento em popa.» Dom Sebastião: «Vou mas volto.» Salazar: «Para Angola e em força!» Almirante Pinheiro de Azevedo: «Só depois de a fumaça passar.» O poeta António Nobre: «Só.» Bocage: «Vou para o outro mundo se disparar a pistola.» Camilo: «Se o marido de Ana Plácido sabe, vou de cana.» E Eça: «Para a Estrada de Sintra, mas não digo mais, é um mistério.» Como vai, José Régio? «Por aí, não!» E você, Alexandre O’Neill, como vai? «Em forma de assim.» Pessoa: «Quem, eu? Ou eu? Ou eu?…»
Seguem-se respostas de políticos atuais. Como vai? Rui Rio: «Vou… Não vou… Vou…» Marcelo Rebelo de Sousa: «Porque hei de ir? Acabei de chegar.» Passos Coelho: «Eu pensava que ia, pensava…» Paulo Portas: «Já fui.» Jerónimo de Sousa: «Que fique claro que este ir não é o nosso ir, é o do PS, mas está bem, vou.» António Costa: «Sozinho não vou longe, hélas…» Ferro Rodrigues, como vai? «É uma interpelação à mesa ou uma intervenção?» Como vai, Carlos Costa, do Banco de Portugal? «Eu?! Só se fosse maluco. Fico, este é o único banco bom.»
E o povo? O povo também tem direito. Como vai? Canalizador: «Ir, só para semana.» Taxista da Portela: «Se é para a Baixa, vou por Sintra.» Empregado de mesa, passando os olhos pela sala, ouvindo sem escutar: «Fresca ou natural?»Empregador: «Deixe a pergunta, depois telefonamos-lhe.»
Como vai, Jorge Jesus? «Isso… quer dizer, a minha especialidade de treinador envolve, muitas vezes, questões científicas… Como vais?… Isso é consoante. Se nós póssamos, estás a ver… ser criativos, vais. É como o treinador. Porque são muitas horas de treino. O defesa vai ou não vai, é uma opção. Mas qual foi mesmo a tua pergunta?»
[Publicado originalmente na edição de 28 de fevereiro de 2016]