O terrorista tocou umas notas no vibrafone e isso faz parte do horror

Notícias Magazine

Pegou nas baquetas do vibrafone e começou a tocar. O que passava pela cabeça dele enquanto o fazia? Quem se mexer morre, tlim tlim tlom, as notas desatinadas por mãos que tinham acabado de matar. O que pensava o terrorista enquanto tocava vibrafone? O som límpido das notas era incongruente no meio dos gritos e do medo. O vibrafone abandonado, que atração esta a de um instrumento sem instrumentista, a pedir que alguém lhe dê vida. O tocador improvisado distraiu-se, quem ele procurava eram os músicos. Não era para ouvi-los tocar, ele queria matá-los. Mas o terrorista que agora fingia que tocava vibrafone, e os que com ele estavam naquela sala, tinham ignorado que há uma saída do palco para os bastidores e os músicos escaparam. Onde estão os americanos? Eles bombardeiam-nos, nós disparamos sobre eles. Os músicos eram americanos, portanto, culpados. Quem se mexer morre. Quem falar morre. Quem não se mexer nem falar morre também. Paris, Bataclan, no palco onde minutos antes tocavam os Eagles of Death Metal, noite de treze de novembro de dois mil e quinze, um terrorista tocava vibrafone e depois largou as baquetas e voltou à metralhadora. Quem se mexer morre. Eu morro também, tlom tlom tlim.

E estas falsas notas fazem-me reler o glacial poema de Wislawa Szymborska «O terrorista… olha»:

A bomba vai explodir no bar às treze e vinte.

São neste momento treze e dezasseis.

Alguns conseguem ainda entrar, alguns sair.

O terrorista passou para o outro lado da rua.

Ou recordar diálogos de Pulp Fiction, de Tarantino. «Customers are sitting there with food in their mouths; they don’t know what’s going on. One minute they’re having a Denver omelette; the next minute, someone’s sticking a gun in their face.»

O vibrafone é o pormenor dissonante do fio dos acontecimentos reconstituído pela polícia francesa sobre aquela noite de novembro, publicado no jornal Le Figaro. Chama-lhe xilofone, o que há de querer dizer que o instrumento é de madeira. Tocado por mãos humanas sábias e talentosas tem uma sonoridade quase celestial.

Sim, os anjos talvez brinquem com xilofones lá onde moram. Aparecem versões pelo mundo fora, marimbas, até poderia dizer que o kissange se assemelha um pouco por ter lâminas metálicas, não fossem elas tocadas apenas com os dedos. Uns tocos de madeira ou uns tubos de metal, umas cordas, baquetas coloradas a feltro para amenizar mais ainda o som, aí está o vibrafone que o jazz tão bem adotou. Usado por um terrorista que mata quem se mexer, isso não, não é um vibrafone verdadeiro, porque um artista gosta de música e não toca por tocar. Faz música, não dispara sons.

Entramos num novo ano, dois mil e dezasseis, despeço-me do que acabou com um breve sorriso ao ler que o exército iraquiano vai a caminho de Mossul depois de encontrar Ramadi vazia – os homens do Daesh abandonaram a cidade. E fecho o sorriso quando penso no exército agora vencedor, não, não gosto deste exército, e leio sobre as ameaças de atentados na Europa, a Praça Vermelha de Moscovo fechada aos festejos, e escrevo sem saber se é de festa a noite em que um ano termina e outro começa. Não faço promessas nem escolho desejos para o novo ano. E não quero saber o que pensava o terrorista enquanto martelava o vibrafone em Paris.

[Publicado originalmente na edição de 3 de janeiro de 2016]