Há três cerimónias americanas que nos prendem ao sofá. Duas já são nossas, por tradição e interesse. A noite dos Óscares, para entronizar quem mais nos encantou, e o ano bissexto, ao longo do qual o Partido Republicano e o Partido Democrata vão escolhendo os seus candidatos até, no outono, um duelo tirar a limpo quem nos vai governar – a nós, o planeta. Essas duas festas são de origem americana, como o milho e a batata, mas tornaram-se nossas ao passar do tempo.
Muito nossas, às vezes até mais do que americanas. Ainda me lembro, estava eu a ver a transmissão da gala dos Óscares, em 1941, quando se premiou o melhor filme: Rebeca, de Alfred Hitchcock. Ao dar-me conta de que seria a única vez que um filme do grande Hitchcock seria o melhor de Hollywood (nem Vertigo, nem Psycho, nem Janela Indiscreta, nem Intriga Internacional…) e nem ele próprio ganharia alguma vez a estatueta de melhor realizador, acordei em sobressalto. O golpe ainda foi maior quando soube que naquele ano nem havia transmissões televisivas, nem a minha casa tinha televisão, nem tão-pouco eu era nascido. Mas ficou-me a convicção: a premiar sei mais do que os indígenas los angelinos que inventaram o Óscar. No fundo, o costume: apesar de ela nos ter chegado das margens do lago Titicaca, a batatinha assada a acompanhar o cabrito à moda de Fornos de Algodres é melhor do que a cozinham nos Andes.
As coisas, emigrando, ficam melhor – que português desconhece esta verdade? Lá fora somos mais reconhecidos por qualquer patrão do que por cá pelas empresas do PSI 20. Os Óscares foram reconhecidos e adotados pelo mundo inteiro. E aconteceu o mesmo com as eleições americanas. Seja o circo mediático seja a democracia genuína e participada das primárias (nos, também para nós, já famosos caucus). Todos os quatro anos pomos os olhos no Iowa (até sabemos apontar o quase quadrado, à esquerda de Chicago) e desde o início de fevereiro seguimos os candidatos até à meta de novembro. Vamos conhecendo a complicada contabilidade. Na Califórnia, quem ganha por um só voto abocanha todos os votos do estado, isto é, o correspondente a quase um décimo dos votos de toda a América… Essas bizarrias seguimo-las, fascinados. E interessados com toda a razão, uma eleição presidencial americana pode dizer-nos muito.
Este milénio, por exemplo, começou com a eleição de George W. Bush, que repetiu a vitória em 2004. Daqui a um século, em política caseira, dificilmente os americanos guardarão duas linhas de rodapé desses oito anos. Já os historiadores que quiserem saber sobre o Iraque têm de procurar algures entre esses dois mandatos uma data crucial: a do fim dum país. Para os iraquianos as duas primeiras eleições americanas deste século foram fundamentais, oh quanto! Se o trigo foi inventado entre o Tigre e o Eufrates, na Mesopotâmia que depois foi o Iraque, os iraquianos deviam ter dado mais atenção às pipocas inventadas do milho, vindo das Américas, como a ideia de Bush em fazer explodir, sem ideia alternativa, um país. E, já agora, os europeus que recebem em estilhaços as consequências daquelas duas infelizes eleições presidências têm interesse em continuar, embora nos sofás, atentos. Há, pois, duas cerimónias americanas que são nossas. Eu queria era saber por que carga de água uma terceira cerimónia começa a entrar-nos sala dentro, rumo ao sofá. Uma tal Super Bowl, super porquê, bowl de quê? De que obscuro desporto? Dizem-nos que tem um aliciante: os anúncios nos intervalos. Mas, nas nossas civilizações, não é justamente no intervalo que abandonamos o sofá para prementes necessidades?
[Publicado originalmente na edição de 14 de fevereiro de 2016]