O que fazer aos apalpadores de mulheres?

Notícias Magazine

Apetece-me contar a aventura antiga dum presidente da Câmara de Dakar. Já político experimentado, companheiro de independência do pai da pátria, Sédar Senghor, e várias vezes ministro, monsieur Amadou aceitou ser maire de Dakar. Estava habituado, naquele país de classes secularmente bem organizadas, a que as ordens dum chefe fossem obedecidas. Assim, no começo da década de 1980, quando a capital do Senegal começou a tornar-se grande metrópole, o chefe surpreendeu-se com uma resistência popular.

No mais culto dos países africanos, durante vinte anos governados por Senghor, um poeta internacionalmente respeitado, trazendo no nome e na alma a palavra «senhor» estampada, erguiam-se no bairro de Diamalaye os primeiros prédios populares destinados a camponeses que ainda há pouco só conheciam cubatas. As casas não eram luxuosas mas tinham paredes direitas, telhado e a partir do segundo andar era possível ver o oceano sempre presente. Foi daí, desses orifícios que prudentemente as cubatas de colmo e pau a pique não tinham, que surgiu o problema. Os novos dakarois emprestavam às janelas uma função estranha. Por ali desaparecia o lixo, como em arte de feitiçaria dum marabu.

Que desaparecia, desaparecia. No fim das refeições, os restos do thieboudienne, arroz de peixe, eram atirados pela janela e deixavam de ser vistos. Nem deixavam rasto para acicatar as consciências: a dona de casa vinha à janela e, pelo menos acima do primeiro andar, enchendo os pulmões, ela só aspirava o ar salino que varria e limpava toda a península de Cap Vert, onde Dakar fora edificada. Foi com espanto que os habitantes do bairro de Diamalaye vieram a saber que o seu ato natural, atirar o lixo pela janela, passara a piada na capital. Ficaram até sentidos por alguns dos seus, por sinal, todos do rés-do-chão, fracos vizinhos alimentarem também as atoardas.

A história do thieboudienne voador chegou ao gabinete de monsieur Amadou, no belo palácio do Hôtel de Ville de Dakar. Antigo ministro do Interior, o maire começou por mandar sargentos, os fiscais, resolver o problema. Eles iam e voltavam de mãos a abanar. Eram recebidos por uma opinião unânime: «A tradição africana é assim, os nossos antepassados não tinham o costume de recolher os restos, pôr em caixotes, estes nos passeios e esperar pela passagem do carro do lixo. E a janela da cozinha é muito prática, jërë jëf…» Em wolof, a língua mais falada em Dakar, diziam obrigado.

Monsieur Amadou resolveu agarrar no assunto. Fez saber ao porta-voz da comissão que ele, ex-ministro e maire, sentir-se-ia muito honrado se fosse recebido num almoço. Assim se marcou um encontro no apartamento do porta-voz, num terceiro andar do bairro de Diamalaye, onde a comitiva oficial foi recebida com toda teranga, hospitalidade, e o thieboudienne foi servido caprichado, com tamarindos. Durante o repasto, monsieur Amadou fartou-se de falar do seu respeito pelas tradições africanas. Mas também citou o edital municipal que proibia deitar lixo pela janela.

No fim, visitou-se a casa e, na cozinha, o maire reparou que os restos do arroz e as espinhas do peixe não tinham ido pela janela fora. O dono da casa já não era camponês mas lembrava-se da prudência ancestral. Monsieur Amadou debruçou-se na janela e disse com um sorriso: «Então, é por aqui que mandam o lixo?»

O porta-voz animou-se e disse que sim. «Como?», perguntou o chefe, dando espaço à explicação. O porta-voz avançou para a janela com o prato sujo e com uma colher deitou fora os restos. «Ah, a tradição…», disse monsieur Amadou, com tristeza. E mandou prender o porta-voz.

[Publicado originalmente na edição de 17 de janeiro de 2016]