
O realizador alemão Oliver Hirschbiegel é autor de um filme muito usado para brincadeiras no YouTube, A Queda: Hitler e o Fim do Terceiro Reich. A cena histérica de Hitler no bunker, gritando com os seus generais, permite, com legendas loucas, sequestrar Hitler e dar as frases dele a quem se quiser. A ridicularizar um político caseiro ou anunciando a morte de David Bowie, o YouTube tem uma secção própria com a tal cena marada de Hitler… Já 13 Minutos, o filme mais recente de Hirschbiegel (passou por cá em novembro), nunca poderia cumprir essa missão. Para o mal ou para o bem, não gostamos de imitar as pessoas comuns. E Georg Elser (1903-1945), o protagonista e o herói real, é exatamente isso: um vulgar e solitário homem comum.
Georg Elser era um operário da região dos Alpes Suábios, no Sul da Alemanha. Levava a II Guerra Mundial só algumas semanas e ele tentou matar Hitler. Preparou o atentado e falhou por 13 minutos. No ano anterior, 1938, ele tinha ido assistir à celebração anual que em Munique comemorava o início da ascenção do nazismo. Elser já ia com o atentado fisgado, mas os pogroms da Noite de Cristal, a que assistiu na cidade, a caça a judeus e lojas saqueadas, tiraram-lhe as hesitações. Decidiu atacar em 1939, na próxima festa, convencido de que a política de Hitler levaria à guerra e esta destruiria a Alemanha. O ponto alto das comemorações era sempre na cervejaria Bürgerbräukeller, onde o putch nazi de 1923 tinha sido organizado por Adolf Hitler. E era lá que ele discursava.
Bom de mãos, marceneiro dotado, experiente relojoeiro e metalúrgico, Elser teve um ano para se procurar a dinamite e os detonadores. Ele trabalhava na fronteira da germano-suíça, e foi para a Munique quando se confirmou ao que Hitler levava: a guerra começara. Durante dois meses, o indignado foi para cervejaria, como cliente, escondia-se quando ela fechava e escavou uma coluna vizinha ao palanque dos discursos. Na madrugada de 8 de novembro, preparou o mecanismo do relógio para as 21h20 dessa noite. Previu, com folga, que Hitler estaria a discursar. Georg Elser deixou Munique nessa manhã e foi preso quando tentava atravessar a fronteira com a Suíça, à noite. Cerca de meia hora depois, a bomba explodiu na cervejaria. Violenta, até o teto abateu, matou e feriu várias pessoas.
Mas a noite estava de nevoeiro, o avião previsto para Hitler não pôde regressar a Berlim e o ditador, tendo de ir de comboio, encurtou o discurso. Saiu a 13 minutos da explosão. Logo se fez a relação com Georg Elser, já preso. A questão era conhecer os pormenores do grande complô. Nazis dissidentes, mãozinha dos ingleses? Levado para as celas da Gestapo, o preso confessou. Mas surgiu a maior das surpresas: Elser era ele, não mais. Na ação, que preparou sozinho, e nas convicções, nem comunista, nem agente do inimigo, nem de igreja nenhuma, nem judeu ou de outra minoria. «Quem te ajudou?», gritaram, bateram, hipnotizaram, drogaram, mas ele só tinha uma resposta. «Só eu.» Porque foi mesmo só ele. Um dia até disse: «Se eu tivesse falado a outros, ninguém queria. De facto, não percebo porquê, mas ninguém queria…»
Nunca foi julgado, levaram-no para o campo de concentração de Sachsenhausen e foi abatido, com um tiro na nuca, em Dachau, a 9 de abril de 1945, a dias do fim da guerra. Sem ligações a ninguém, supuseram-no fantoche dos nazis e, a bomba, uma operação montada pelo regime… Só um investigação aos interrogatórios da polícia em 1939 provou que Georg Elser foi mesmo um resistente antinazi. Solitário. Que coisa esquisita.
[Publicado originalmente na edição de 24 de janeiro de 2016]