O homem que agradece os insultos

Notícias Magazine

Donald Trump tem um problema com a cabeleira, demasiado berrante para um líder mundial. Se «olhe-me nos olhos!», frase bastante impertinente, não costuma ser dita nas cimeiras mundiais é por boas razões. Lançada em conversas comuns, o mais longe que dá é para o torto, mas num encontro com Putin pode ter efeitos geoestratégicos desastrosos. E, no entanto, deverá ser exasperante para Trump resistir, na Sala Oval ou no Kremlin, aos repetidos olhares do poderoso interlocutor, de soslaio e para o cocuruto.

E, esse, é o menor dos problemas da América com Trump. O The Huffington Post, na versão americana do seu já famoso site de informação, de cada vez que escreve sobre o pestífero milionário nova-iorquino acha-se obrigado a terminar com uma nota do editor. Diz esta: «Donald Trump repetidamente incita à violência política e é um mentiroso contumaz, xenófobo, racista, misógino, além de querer proibir qualquer muçulmano de entrar nos Estados Unidos.» O homem estava a pedi-la (à nota), mas o que surpreende mais é a necessidade de alertar para um Trump que o próprio não esconde. E ele sabe dizê-lo em frases mais curtas e direitas ao assunto.

Berlioz, que cultivava a harmonia (era músico), dizia que das pedras que lhe atiravam fazia o seu pedestal. Trump, que dispara insultos, das reações excitadas que recolhe espera vir a ganhar a escolha da convenção republicana, em julho, em Cleveland – um lugar e um momento que todos já esperam vir a ser de gritaria. Por estes dias, Ted Cruz, o seu principal opositor, mais reacionário do que ele, mas menos tresloucado, divulgou (ou os seus assessores) fotos desnudadas da senhora Trump. Afinal, Cruz também é razoavelmente tresloucado: logo se soube que a senhora Cruz tentou suicidar-se… Não se luta com um porco – é um sábio conselho político –, pois o porco ganha e gosta de se sujar.

Nesta semana, Corey Lewandowski, o diretor de campanha de Trump, foi preso na Florida. Há semanas, durante um ato eleitoral, uma jornalista que se aproximara do candidato viu-se afastada com um toque de braço de Lewandowski. O próprio jornal da repórter não quis apresentar queixa, e as imagens que há não indiciam nada. Felizmente para Trump, o episódio acabou bem – quer dizer, mal. O seu homem, afinal, foi mesmo preso. Ah, como sabem bem os insultos, sobretudo quando são ineptos!

Com tantos transtornos, a campanha vai de vento e escândalos em popa. Ao Partido Republicano, conservador, desagrada todo este alarido. A medida do embaraço está na probabilidade de ele aceitar Ted Cruz, um radical religioso que é desprezado pelo establishment, a elite do partido que já foi de Abraham Lincoln, de Eisenhower e de Reagan. Os olhos da América estão postos em Cleveland, o que já de si é um mau gosto, é uma cidade feia, de centro abandonado a partir das cinco da tarde e nos fins de semana.

Entronização de Trump? Além do perigo político a vir, o espetáculo infernal com que ele saudará a vitória (para os menos imaginativos: uma coisa em forma de cabeleira de Trump). A boa notícia da derrota de Trump, que é só a má notícia da escolha de Cruz? Cleveland, a varrida pelos ventos dos Grandes Lagos, não promete nada que dê esperança. A menos (já é o sonho que resta), a menos que Donald Trump anuncie na convenção republicana que isto era só um reality show… «Vocês acreditaram mesmo que eu me candidatava a presidente da América?!» E ele despedia os americanos.

[Publicado originalmente na edição de 3 de abril de 2016]