«Sempre acreditei que podia mudar o mundo»

Marta Baeta
Marta Baeta

Marta está numa favela no Quénia a ajudar 76 rapazes e raparigas a estudar. Fernando passa temporadas na Birmânia a garantir que crianças com cancro tenham acesso ao hospital. Helena ajuda meninos das ruas de Moçambique, Teresa apoia órfãos da sida no mesmo país e Carlos faz cirurgias de guerra no Sudão. Todos sentem que há muito por fazer. Eis a história de Marta Baeta.

Filha única, tinha uma vida confortável em Portugal. Morava com a família no Barreiro, estudava na faculdade e sonhava ser produtora de festivais de música de verão. Marta Baeta, 27 anos, trocou tudo, há dois anos, por uma vida totalmente diferente: hoje vive no Quénia na maior favela do mundo, chamada Kibera, onde ajuda 76 crianças e jovens. Conseguiu montar uma associação, a From Kibera With Love, para lhes financiar os estudos e a alimentação e todos os dias recebe pelo menos 62 (os outros estão em escolas internas) num espaço que arranjou dentro da favela. «Fazem os trabalhos de casa, esclarecem as dúvidas, lancham e depois fazem algumas atividades», conta Marta, que entrou pela primeira vez naquele bairro de lata em novembro de 2012.

Nesse ano, foi ali fazer fazer um estágio de três meses numa escola da pré-primária, através do AIESEC. Mas, antes de regressar a Portugal, em fevereiro de 2013, tentou garantir que as 16 crianças que iam passar para o 5.º ano ficavam matriculadas numa instituição de ensino, pois ninguém assegurava as despesas. Pediu ajuda pelo Facebook aos amigos, começou a angariar dinheiro e, assim, aos poucos, foi nascendo a sua organização.

Em julho de 2013, quando voltou à favela, teve um desgosto quando descobriu que os donos da escola a quem pagava pelas 16 crianças a tinham enganado, pois aquela era na realidade uma unidade pública. Fez queixa ao Ministério da Educação, sofreu ameaças e voltou para Portugal. Por pouco tempo. Em janeiro do ano seguinte viajou, com medo, até Kibera, para pagar a nova escola para os miúdos. Esteve apenas 15 dias, mas em abril aterrou de novo no Quénia e em novembro mudou-se de vez: «Senti que tinha de fazer mais por eles, e nada me prendia a Portugal». Para sobreviver, vendia produtos na Herbalife, contava com a ajuda dos pais, divorciados, e fazia leilões das suas roupas e outras coisas de que já não precisava. O «Bazar da Marta» tornou-se de tal forma famoso que o Fórum Barreiro lhe cedeu uma loja para vender as tralhas e angariar dinheiro para a sua associação, quando vem a Portugal.

Quando se mudou para a favela, em novembro de 2014, alugou uma casa e foi viver com 10 das crianças que apoiava. Mas em 2015 apaixonou-se por um rapaz de Kibera e foram viver juntos. Marta e Brian Kadawa – que se conheceram quando ele deu aulas de dança aos miúdos que ela ajuda – moram num segundo andar de uma casa de pedra numa das entradas da favela. Antes viveram durante um mês com os pais dele, numa barraca de chapa de zinco. Era um quarto para todos, sem casa de banho.

«Quando finalmente cheguei à escola [em Kibera], fiquei preenchida e nesse dia senti que realmente aquele local, aquelas crianças, tinham esperado por mim todos aqueles anos».

Marta sempre gostou de dar. Aos seis anos, entrou para os escuteiros. «Os meus pais sempre me incutiram o hábito de ajudar os outros, participava em todas as campanhas de solidariedade que podia». Com 16 anos começou a fazer voluntariado na Associação dos Amigos dos Animais Abandonados da Moita. Hoje está no Quénia, de onde não sabe se vai voltar. Sabe apenas que um dia quer adotar uma criança. Neste Natal vai receber a visita da mãe, vai juntar o namorado e a família dele e no dia 24 vai fazer uma festa com todas as crianças. «Desde miúda sempre acreditei que podia mudar o mundo, pelo menos o mundo à minha volta e daqueles que me rodeiam». Foi isso que sentiu quando, em 2012, entrou pela primeira vez em Kibera.

«No primeiro dia, quando cheguei , tinha um casal à minha espera para me levarem à escola . Lembro-me do cheiro, era nauseabundo. Andámos 45 minutos entre ruas de terra batida minúsculas, parecia um labirinto. Fixei o caminho desde o primeiro momento, todas as esquinas, todas as referências, tinha medo que algo acontecesse e não soubesse sair dali sozinha. As pessoas cumprimentavam-me constantemente: “How are you? Mzungo (branco) how are you?” E tocavam-me», recorda, e continua: «Quando finalmente cheguei à escola, fiquei preenchida e nesse dia senti que realmente aquele local, aquelas crianças, tinham esperado por mim todos aqueles anos».

Conheça também a história de Fernando Pinho, Helena Ribeiro Telles, Teresa Paiva Couceiro e Carlos Ferreira.