Joel & Ethan Coen

Salve, César!, a última comédia dos irmãos Coen, estreia-se na quinta-feira com George Clooney e um elenco de mão cheia como Scarlett Johansson, Josh Brolin ou Tilda Swinton. Entrevista exclusiva em Berlim com a dupla mais famosa do cinema americano.

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Usam muitas vezes os mesmos atores. É por uma questão de segurança ou porque gostam, por exemplo, do George Clooney como amigo?
Joel Coen (JC):
Um pouco das duas coisas.
Ethan Coen EC): Muito das duas coisas. Claro que gostamos dessas pessoas, caso contrário não as convidaríamos novamente. Ajuda muito quando já conhecemos os atores. Às vezes, quando estamos a escrever uma personagem, ajuda pensar neste ou naquele ator. É a pensar em determinados atores que nos surgem as personagens. Mas é como tudo: a partir do momento em que descobrimos que os atores são bons naquilo que fazem e que, ao mesmo tempo, são pessoas com quem gostamos de estar, fica tudo mais facilitado e temos a tendência até de escrever para eles. Para o George Clooney escrevemos sempre personagens estúpidas, não me peçam para explicar.
JC: Adoramos inventar essas personagens para o George… Na verdade, temos prazer em vê-lo em situações confrangedoras.
EC: É engraçado ver um gajo com bom aspeto a ser um tanso.

Que crueldade…
JC:
Acho que ele se diverte muito a fazer estes papéis. E nós também nos divertimos muito com ele. O Clooney tem um grande sentido de humor e é um grande ator de comédia. A maior parte dos cineastas não o vê dessa forma… Descobrimos cedo esse seu potencial para personagens cómicas. Ele tem de ser um ator imenso para conseguir representar estas pessoas tontas e estúpidas. Veja-se o Peter Sellers, era um génio… O Clooney tem muito pouca daquela vaidade de estrela de cinema, deixa-se ir na sua… Isso diverte-o e diverte-nos a nós.

Salve, César! começa e quase acaba com confissões religiosas. Houve uma vontade de realçar a questão religiosa nesta história?
EC:
Sim, até porque a personagem principal [interpretada por Josh Brolin] é muito católica e tem um enorme dilema moral. A sua religião é muito importante pois é o adulto desta história e está rodeado de lunáticos. Ele é a única pessoa sã e dirige um estúdio que se está a marimbar para a religião e que até está a produzir um filme sobre a vida de Jesus.

Este filme vem no seguimento de A Propósito de Llewyn Davis [2013], que teve bastante aclamação. Depois de um filme que corre bem, quando estão a escrever o próximo sentem alguma pressão ou responsabilidade para tentar pelo menos não falhar?
EC:
Sentimos sempre uma vontade de fazer um filme bem diferente do anterior. Todos os nossos filmes são, de certa forma, uma reação ao anterior.

Aqui, neste caso, num filme que tem dentro de si tantos outros filmes, como é que encontraram o ritmo? Foi mais na escrita do que na montagem?
JC:
De alguma maneira, quando estamos a escrever temos uma vaga ideia quanto ao timing das cenas, não achas?
EC: Sim, às vezes apercebemo-nos de que aqui e ali é preciso cozer melhor ou acelerar.
JC: Depende sempre de cada história. Em A Propósito de Llewyn Davis vimos que do ponto de vista do ritmo tínhamos alguns desafios, pois tinha muitas canções, mas aqui há também uma estrutura de episódios e é na sala de montagem que começamos a perceber certas coisas. Para embalar Salve, César! percebemos que teríamos de estar um pouco à frente do espetador, ou seja, o filme tinha de estar sempre a mudar e depressa. Este é daqueles filme que até é importante que o espetador esteja atrasado em relação ao desenrolar da história, em especial no arranque.
EC: Na verdade, neste filme, mais do que em qualquer um outro, quisemos que o público se sentisse perdido porque entramos literalmente numa cena de um filme dentro de um filme. Enfim, essa desorientação…
JC: … foi pensada…
EC: Exato.

Este filme fala-nos de uma Hollywood, nos anos 1950, que nada tem que ver com a Hollywood «empresarial» dos nossos dias. Lembram-se das diferenças da Hollywood dos anos 1980, quando começaram?
JC:
Hollywood está sempre a mudar. E muda em reação aos novos mercados e à forma como é possível explorar comercialmente um filme. Lembro-me de que apanhámos a febre do homevideo, das cassetes VHS e, mais tarde, os DVD. Vimos também a forma como as receitas fora da América começaram a ser tão ou mais significativas do que as domésticas. Agora olhamos para trás e vemos que as pessoas consomem cinema de uma outra maneira. Mesmo assim, a indústria discográfica teve uma mudança mais radical.

Essas mudanças afetaram a vossa criação cinematográfica?
JC:
Quase que posso dizer que em nada! Conseguimo-nos afirmar a tempo… Trabalhamos da mesma maneira. Talvez no futuro sejamos afetados pela maneira como vamos ser financiados, mas há muitas novas maneiras de financiar um filme, sobretudo como agora com essas plataformas digitais como a Netflix ou a Amazon.

Salve, César! segue muitos géneros de cinema. Qual aquele que tiveram mais prazer em recriar?
JC:
O cinema musical de sapateado foi muito divertido, quanto mais não seja pela novidade. Só a ideia de colocar o Channing Tatum a dançar sapateado era muito interessante. Foi muito gratificante estarmos a rodar uma cena de dança como nunca vimos antes.

Como é que se sentem quando vêem os vossos guiões ser dirigidos por outros? Aconteceu recentemente com Steven Spielberg, em A Ponte de Espiões, e a próxima realização de George Clooney, Suburbicon, é um argumento escrito por vocês.
JC:
Geralmente não temos um sentimento de paternidade dos argumentos. Já andamos a escrever guiões para outros cineastas há bastante tempo, mas A Ponte de Espiões é sobretudo um projeto do Steven [Spielberg], apenas nos juntámos para prestar os nossos serviços mínimos para algo que já existia. Trabalhar por encomenda é muito divertido.
EC: No caso do Suburbicon, o argumento que Clooney vai realizar é diferente. Escrevemo-lo há 25 anos.
JC: Não, há mais.
EC: A sério!?
JC: Sim.
EC: Sim, não nos sentimos mal por isso mas não deixa de se produzir uma sensação de desapego. Neste caso, anos, perdão, décadas depois isto surge e lembra-nos este trabalho…

Admitem então que não têm pena nenhuma de não realizar filmes que estiveram para fazer?
EC:
Pena nenhuma.
JC: Nada.

Fargo, a série televisiva baseada no vosso filme já a viram?
JC:
Só alguns episódios. É-me indiferente.
EC: Só vimos um pouco.
JC: Não somos muito de rapar as séries de televisão. Mas a série Fargo é ok.
EC: É como os filmes que escrevemos e não dirigimos: acabamos por nos alienar um pouco.
JC: Sim, não temos problema algum com aquilo que os outros fazem com os nossos argumentos e ideias. Por outro lado, confesso, não tenho muito interesse naquilo que venha a sair dali…
EC: Nunca pensámos em fazer uma série televisiva.
JC: Sim, nunca fizemos um filme que seja mais do que duas horas e cinco minutos.
EC: O nosso filme mais longo é Este País não É para Velhos [2007], que é duas horas e dois minutos e ficámos mortificados.
JC: Pois é, a nossa tendência é não sermos longos.

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UMA SÁTIRA A HOLLYWOOD
E ao 18.º filme os irmãos Coen voltam à sátira, neste caso à Hollywood dos anos 1950. A história de Salve, César! Começa com um rapto de uma estrela de cinema, Baird Whitlock (George Clooney), um arrogante mimado que vai parar às mãos de um grupo secreto de agitadores comunistas. Pelo meio, o diretor do estúdio tenta recuperar o seu ator, garantir que o pânico não se instale e supervisionar uma produção de um filme musical aquático, de um musical de sapateado, de um melodrama de um realizador famoso e a estreia de um western cantado. E os espetadores entram literalmente nesses filmes – e respetivos bastidores. Além de Clooney, o elenco conta Josh Brolin, Scarlett Johansson, Ralph Fiennes e Channing Tatum. Estreia quinta-feira os cinemas.

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OS IRMÃOS À PARTE
Joel e Ethan Coen são um caso à parte. Hollywood e o cinema independente gostam deles. Agora deixaram de ser jovens – Sangue por Sangue já tem trinta anos – mas conseguiram, ao longo de décadas, ser um corpo estranho no cinema americano. Escreveram e realizaram sempre filmes diferentes uns dos outros, de muitos géneros, muito visuais. Nessa polivalência temática conseguíamos sempre admirar a sua irreverência. Mesmo nos momentos menos inspirados, conseguiam ser autores, coisa rara nos EUA.
Se quisermos, eles ajudaram a esculpir a modernidade de um certo cinema americano. Amados ou odiados, formaram um público, ganharam Óscares (Este País não É para Velhos e Fargo) e o Festival de Cannes (Barton Fink, 1991). Conseguiram também fazer filmes de culto eternos, como O Grande Lebowski (1998), que obriga anualmente fãs de todo o mundo a um encontro que inclui bowling; filmes de grande sucesso de bilheteira, como Irmão onde Estás? (2000) e Indomável (2010); e flops rotundos, sendo O Quinteto da Morte (2004) o mais notório, juntamente com O Grande Salto (e em 1994 eles estavam na berra). De certa forma, quer nas comédias quer nos filmes de suspense, criaram uma marca de humor negro que os distingue. Joel Coen, 61 anos, que é casado com uma atriz que inventaram, Frances McDormand, é supostamente quem se preocupa mais com os aspetos técnicos da direção, enquanto Ethan (mais novo um ano) é o especialista da escrita, mas na verdade o processo é mesmo a dois. Isso foi comprovado com a conversa em Berlim, no Hotel de Rome. Enquanto um está a acabar de falar, o outro completa as frases. Complementam-se quase mecanicamente e têm piada nessa interação.
Em Hollywood todos querem trabalhar com eles, mas o muito falado clube dos amigos do costume é composto por Josh Brolin, George Clooney, Jeff Bridges, John Turturro e, claro, a mulher e cunhada Frances McDormand.
No final do encontro foram originais: não disseram, como a maior parte, que querem vir a Portugal… RPT