
A dificuldade de uma candidata que se segue a um presidente superstar.
Habituámo-nos à política ser uma espécie de star system – parece que as coisas têm de ser assim e já não podemos questioná-las. Que importa o que um político é? Se quiser entrar na política ele tem de saber que isso faz parte do pacote: ter vocação comunicacional, conseguir passar uma imagem que tem de estar de acordo com o que quer que o povo pense dele e transmitir algumas ideias, no entretanto. Este teste de popularidade, os políticos passam-no muito cedo. Ou não. Há os que têm jeito, imagem, e a empatia acontece. E há os que não têm nada disto. E é um desastre. Falam com dificuldade, percebe-se que não estão à vontade, detestam misturar-se, até um aperto de mão lhes custa, quanto mais banhos de multidão. Acabam por ter como destino a obsolescência, o que além de ser injusto para eles pode ser prejudicial para o país que os perde.
É difícil ser o sucessor de um político-estrela, ser o próximo. Nem quero imaginar como serão as eleições para a presidência portuguesa, e quem terá a tarefa de fazer esquecer o mediático Marcelo Rebelo de Sousa. Mas já sei como está a ser difícil a de Hillary Clinton, por vir a seguir a Barack Obama. Estava a olhar para ela nesta semana, no debate com Donald Trump, e a pensar isso mesmo.
Além de ser mulher, numa ainda machista e misógina América, de ter de levar com um espantalho em forma de candidato – que torna muito difícil, pela tontaria das suas argumentações, a contra-argumentação –, Hillary tem ainda este pecado original a assombrar a sua campanha, a questão de seguir-se ao gingão, divertido, sério, inteligente, eloquente, o presidente superstar Barack Obama. Nem sequer o seu feito histórico, o de ser a primeira mulher candidata, é singular – ele foi, imediatamente antes dela, o primeiro negro, um facto igualmente histórico.
Claro que tudo o que foi dito atrás a condiciona. Condiciona-a que ela não possa gesticular quando lhe apetece – seria demasiado agressiva, dizem-lhe os spinners. Que não possa rir com riso franco e boca aberta – demasiado excessiva. Vestir-se como lhe apetece – tem de combinar elegância com poder. Ser bruta e dura – demasiado mandona e agressiva. A tudo isto, Hillary junta alguma evidente falta de jeito para lidar com o público. A voz falha-lhe, ou torna-se demasiado grave. Os sorrisos tornam-se histéricos. E a sua incapacidade para fazer piadas devia impedi-la de tentar.
Em suma, Hillary não ginga. E que mal tem isso?, pergunto. É uma mulher séria, de 68 anos. Uma profissional que já viveu muita vida e muitas vidas. Que na maior parte dos países estaria reformada – até no dela. E que é, muito provavelmente, nos últimos tempos, a pessoa mais bem qualificada para o cargo que pretende ocupar – Obama incluído na comparação. Que ela tenha de estar continuamente a prová-lo e a preocupar-se com o seu riso ou a forma como o casaco lhe cai mostra como por vezes é tonto o nosso sistema mediático.
[Publicado originalmente na edição de 2 de outubro de 2016]