Fernando Nogueira

A fechar o ano em que a Fundação Millennium BCP celebra um quarto de século, Fernando Nogueira faz um balanço da instituição a que preside, mecenas das artes, investigação e recuperação de património. A coleção tem cerca de cinco mil peças e o orçamento anual para doações ronda os dois milhões por ano. Pouco dado a falar de si, o ex-ministro revisita também o seu passado – de Matosinhos, onde nasceu, em 1950, ao governo de Portugal.

Confessa‑se avesso a falar de si, contorna algumas perguntas, esquiva‑se a comentar episódios que provavelmente lhe alteraram o rumo dos dias e pesaram na decisão de pôr ponto final na carreira política. Desses tempos não guarda arrependimento. Nem mágoa. Discreto por natureza, «homem de família e de trabalho que tenta ser íntegro e justo», em autorretrato, Fernando Nogueira só está à vontade quando é da Fundação Millennium BCP que fala, a instituição que dirige e que neste ano celebra duas décadas e meia de vida. Ou do que aprendeu na banca, vida profissional nos últimos vinte anos. A entrevista decorreu no seu gabinete da Rua Augusta, em Lisboa – à mesa de mogno, Fernando Nogueira fuma, vício único que não consegue perder –, duas horas de conversa pausada numa manhã de chuva torrencial. Da infância, guarda o sabor das rabanadas, a memória do verão na praia de Matosinhos e algumas, poucas, fotografias. Aos 66 anos, deseja sobretudo deixar em herança a filhos e netos «o bom nome, que vale mais do que quaisquer bens materiais».

– Cumpre o segundo mandato como presidente da Fundação Millennium BCP. Que marca gostaria de deixar?
O reconhecimento público da atividade de responsabilidade social que a fundação desenvolve e, através disso, o reforço da reputação da marca Millennium BCP. Mas também um contributo para que outros mecenas sintam o impulso de apoiar a cultura e a sociedade.

– No ano em que a fundação comemora 25 anos, que iniciativas destaca?
O trabalho desenvolvido em prol da recuperação do património – uma das suas vertentes estratégicas – e o apoio aos museus nacionais, numa altura em que o país tem vivido graves dificuldades e os apoios do Estado têm sofrido grandes cortes. Também tenho muito gosto em ter persuadido o banco da importância de abrir uma galeria, forma de promover a cultura e divulgar a coleção do banco. Já que não pode fazer um mecenato de aquisição que faça um mecenato de partilha e divulgação.

– Falou do apoio aos museus nacionais. Temos bons museus?
O apoio aos museus tem largos anos e vai continuar. Continuaremos a apoiar o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu do Chiado, o Museu do Azulejo, o Museu Nacional dos Coches, o Museu Municipal de Faro e, de quando em vez, outros museus. Respondendo à pergunta: sim, temos em Portugal bons museus. O Museu Nacional de Arte Antiga é um museu de referência internacional. O Museu do Azulejo é único e o Soares dos Reis, no Porto, é também um belo museu. Mas também digo que é preciso trazer os museus à atualidade. Julgo que o Museu de Arqueologia, por exemplo, merecia uma nova museografia.

– A coleção do Millennium é vasta, porém muito centrada nos séculos XIX e XX. O que tem sido feito para trazer a ação para a contemporaneidade?
A coleção é vasta e muito boa. Nos últimos anos, de facto, não têm sido feitas aquisições e daí termos acompanhado pouco a evolução das escolas e da produção artística. Para colmatar essa lacuna, apoiamos associações sem fins lucrativos que promovam a divulgação da arte contemporânea, como o Mapa das Artes, da associação Isto não É Um Cachimbo. Apoiamos, também, desde há três anos, a Castelo D’If, associação que promove anualmente e com cada vez mais sucesso a abertura ao público de ateliês de artistas. Neste ano aderiram mais de setenta artistas. Fomos mecenas da representação portuguesa nas duas últimas edições do Festival de Veneza. Estabelecemos uma parceria há dois anos com o Festival de Óbidos – Folio Literário. Isto só para citar alguns exemplos. Formas de divulgar a arte e a cultura contemporâneas.

– O interesse pela arte contemporânea é pessoal?
Gosto muito e entendo que uma fundação não pode deixar de olhar para a arte que se vai fazendo. Mas deixe‑me completar a resposta anterior e referir ainda o apoio prestado a uma associação presidida por Luís Campos e Cunha que visa a criação de ateliês residenciais para artistas plásticos estrangeiros.

– A pensar no turismo cultural?
O fluxo turístico exige que o país seja atrativo do ponto de vista cultural. E Portugal tem condições excecionais para atrair artistas europeus e norte‑americanos e com isso ajudar a divulgar a produção artística portuguesa contemporânea.

– A 12 de novembro inaugurou uma exposição multimédia, reflexo da importância do mundo digital na criação artística. A fundação vai passar a apostar sobretudo nesse mundo?
Não vamos abandonar os projetos anteriores, não deixaremos de apoiar os museus e a recuperação do património, mas sim, vai haver – vai havendo – uma transferência. Por exemplo, vamos transformar a sala D. Manuel, no Museu do Azulejo, numa sala multimédia. Por muito que eu ache que o Museu do Azulejo nos distingue em relação a outras capitais europeias, a verdade é que, só por si, não atrai crianças, jovens e novos públicos. Temos de avançar para as linguagens que eles usam e entendem.

– Dos dois milhões de orçamento de que dispõe, quanto é destinado à cultura?
Na proposta de orçamento de 2017 estão previstos 480 mil euros para a produção de exposições itinerantes, para o programa da Galeria Millennium BCP e conservação do Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros (monumento nacional situado na sede do banco em Lisboa). Para o apoio a museus e atividades museológicas mais de 300 mil euros, para a recuperação de património histórico e artístico 200 mil euros e para outras iniciativas culturais cerca de 350 mil euros. Ou seja cerca de 1,3 milhões de euros.

– Que influência tem o presidente da fundação na escolha dos projetos a apoiar e com quanto?
As deliberações são feitas pela comissão executiva, da qual faço parte com mais dois elementos. A fundação recebe muitos pedidos, cada vez mais. Infelizmente, as entidades mecenáticas em Portugal diminuíram muito. Um crivo inicial põe de lado os pedidos inviáveis, que são poucos. Os restantes serão avaliados pela comissão em duas reuniões mensais. Cada um dos elementos fará a sua avaliação.

– Há um critério estético?
Há um critério estético e linhas de ação. Não se eliminam liminarmente pedidos de museus, ainda que se trate de instituições habitualmente não apoiadas pela fundação, caso recente do Museu de Beja ou do Castelo de Paderne. Também porque um dos nossos objetivos é diversificar geograficamente. Temos de resistir à tentação de fazer o bem só perto da porta.

– Um projeto de graffiti mereceria o apoio do presidente da fundação?
Não tenho reservas, mas antes dos graffiti temos de fazer o percurso dos artistas plásticos em arte contemporânea.

– Nunca se arrependeu de ter concedido um apoio?
Alguns ficaram aquém das expetativas mas não vou nomeá‑los.

– Que cultura consome?
A disciplina de História foi sempre uma das minhas preferidas. Sempre me interessou o passado e a arte, tanto que em criança sonhava ser arqueólogo. Sempre frequentei museus. Quando viajo com a minha mulher, aproveitamos todo o tempo livre para visitar os museus. Mas gosto igualmente de um bom concerto ou de dança clássica e contemporânea e de teatro de qualidade.

– E de ópera? Foram durante anos mecenas exclusivos do Teatro Nacional de São Carlos [TNSC].
Gosto de ópera mas não compro a temporada. Vou à ópera quando me apetece.

– Relativamente ao TNSC optaram por um phasing out. Porquê?
O TNSC está muito situado no tempo, é pouco apelativo para a juventude. É meu entendimento que os apoios não devem eternizar‑se, que não devem as instituições habituar‑se ao dinheiro seguro. Foi o caso do São Carlos. Fizemos o phasing out, comprometendo‑nos a ajudar, nos dois primeiros anos, o lançamento do Festival ao Largo, ideia que me pareceu fabulosa. Trazer a música para fora daquela sala é muito bom. É preciso dessacralizar a arte.

– Investe em arte?
Muito pouco, os meus recursos não me permitem grandes investimentos. Se me perguntar o que gostaria de ter em casa – bom, gostaria de ter um quadro da Menez. Juntava‑lhe uma escultura do Pedro Croft ou do Rui Chafes e já me contentava.

– Porquê a Menez?
Porque os trabalhos dela fascinam‑me e emocionam‑me.

– O que aprecia antes de mais num pintor e numa pintura?
A singularidade e a capacidade de me transmitir emoções.

– Ciência e educação, outros vetores do plano estratégico da fundação. Dos dois milhões, que parcela lhes é destinada?
Mais uma vez para 2017 estão previstos 480 mil euros, ou seja, 24 por cento do total dos donativos.

– Quantas bolsas de estudo anuais?
A verba destinada a bolsas de estudo ronda os 200 mil euros/ano, repartidos entre Portugal, Angola e Moçambique. Passámos a dar bolsas de estudo a estudantes dos PALOP para licenciaturas nos seus países, principalmente Angola e Moçambique e não em Portugal, como era prática anterior. E apoiamos pós‑licenciaturas, essas sim, a fazer cá.

– O presidente recebe muitos pedidos particulares, vulgo «cunhas»?
Algumas, que se resolvem aconselhando a formalização do pedido e avisando que será colocado a apreciação colegial.

– Como lida com essa pressão, por vezes de amigos?
Salvaguardo‑me nos critérios existentes que consigo explicar.

– Recebe feedback do mecenato?
De muitos bolseiros, sobretudo, e dos museus.

– Já se candidatou a uma bolsa?
Fui bolseiro, sim. Em Coimbra, estudei com uma bolsa da Gulbenkian.

– A área social – quanto recebe do orçamento?
Cerca de 20 por cento do orçamento anual. É uma área delicada, em que todo o cuidado é pouco. A ajuda tem de chegar onde deve, sem margem para dúvidas. Apoiamos há largos anos o Banco Alimentar e a Associação Nacional de Combate à Pobreza, duas instituições com políticas diferentes. É objetivo da ANCP ajudar as pessoas a resolverem os seus problemas de vida, dar‑lhes a cana. Diga‑se que, em qualquer dos casos, não fazemos promoção das ajudas. Sem citar nomes, há empresas que gastam mais a promover o que deram do que na realidade dão. Acho isso uma indecência.

– É católico?
De formação. A moral cristã é a minha referência ética. Não vou à missa todos os domingos, mas sigo de perto e identifico‑me com a doutrina social da Igreja.

– Por que razão há tão pouco mecenato em Portugal?
As grandes empresas passaram por grandes turbulências. Veja‑se o caso do BES ou até da PT. E, portanto, deixaram de alocar tantos recursos à responsabilidade social.

– Tem passado os últimos anos afastado da política. Que pessoa recordam hoje os portugueses quando se lhes fala em Fernando Nogueira?
Não sei dizer‑lhe, mas sei o que sinto quando me encontro com as pessoas: respeito. Nunca tive encontros desagradáveis. Recebo sinais de estima e apreço.

– Da passagem pela política pura e dura que imagem deixou? Herdeiro do cavaquismo que perdeu para António Guterres?
Não sei. Nunca aprofundei esse tema. Há muita gente que me diz «então não volta à política? Devia voltar, faz falta».

– O que responde?
Que foi uma opção. Uma decisão que tomei e que está tomada. Para além de achar que a política não esgota a vida, sempre considerei que não era um modo de vida. Quem a toma como modo de vida corre o risco de perder a independência. E eu não queria isso.

– Falta a Portugal quem pense assim?
Um pouco por todo o lado, os políticos de longa duração são cada vez mais raros e o desgaste mediático é brutal. Nos cargos de alta responsabilidade, a pressão psicológica e física é enorme. As pessoas não fazem ideia da violência que é. Hoje, tudo é descartável. O general De Gaulle falava ao país uma ou duas vezes por ano. E escolhia ele o tema. Agora, é repetição sobre repetição. O que é de mais cansa.

– Marcelo Rebelo de Sousa fala de mais?
Está a tentar recuperar a imagem da classe política. Tem virtudes pessoais que ajudam nesse sentido. Mas ele sabe que é uma tarefa difícil e que o «estado de graça» não vai durar sempre.

– O que o fascinou na política?
O sentido de serviço público e a sensação de ser útil à sociedade.

– Corria já o ano de 1982 quando se filiou no PSD. Porque levou tanto tempo?
Sempre simpatizei com o PSD, mas também sempre prezei a minha independência. Durante uns anos não me apeteceu filiar‑me. A dada altura achei que devia entrar no combate. Não que antes não tivesse os meus combates, nomeadamente na Faculdade de Direito de Coimbra onde fui delegado sindical dos professores assistentes, com dois elementos ligados ao PCP, pertenci aos órgãos diretivos da faculdade, escrevi crónicas durante muito tempo no jornal O Domingo em que nunca escondi a minha inclinação para o PSD.

– Quem assinou a ficha de inscrição?
Pinto Balsemão.

– Em 1996, um ano depois de ter perdido as legislativas para António Guterres, abandona a política. Teria sido um bom primeiro‑ministro?
Se não me tivesse achado preparado para lugar não teria avançado. Se teria sido ou não um bom primeiro‑ministro é uma conjetura à qual não posso responder.

– Muito diferente de Cavaco Silva?
Não renego o tempo que passei nesse período. Contudo, se tivesse sido primeiro‑ministro teria naturalmente imprimido o meu cunho pessoal.

– Nunca se arrependeu de ter deixado a política?
Por vezes amigos, pessoas próximas, desafiam‑me. Perguntam‑me se sinto «o bichinho». Não, não sinto. Não estou nada arrependido de ter estado na política, estive de corpo inteiro, mas ainda menos arrependido estou de ter saído. E da forma como saí. Foi uma decisão muito bem ponderada, que correspondeu a um estado de espírito que, em mim, raramente é conjuntural. Não foi por capricho ou zanga.

– Nem desilusão?
Não, estava consciente de que na política não há gratidão.

– E fora da política?
Também não. Ou muitas vezes não.

– «Se eu fosse ministro fazia e acontecia», ouve‑se muito. A capacidade de intervenção de um governante é aquela que normalmente se julga?
Em Portugal há muito essa ideia. Qualquer um acha que chegava, via e vencia. Ora há, cada vez mais, fatores exógenos, muitos deles ditados pelos fóruns internacionais, que retiram espaço de manobra e capacidade de decisão. Se estivesse agora a começar, julgo que preferia ser presidente da câmara a ministro. Um autarca tem mais capacidade de promover a mudança.

– A política custou‑lhe boas relações?
Não cortei relações com ninguém. E, sobretudo, não levei ressentimentos nem ódios para casa.

– Deu‑lhe a conhecer muitas personalidades. Quais destacaria?
O papa João Paulo II. Acompanhei‑o, representando o governo, na grande visita que fez a Portugal. Emocionalmente, foi a pessoa que mais me tocou. Tinha uma força espiritual quase física. Yitzhak Rabin. Conheci‑o em Israel e percebia‑se Que estava imbuído de um espírito de missão. Outra força espiritual enorme. O terceiro pode parecer surpreendente: Frederik de Klerk. Acompanhei‑o quando esteve em Portugal, numa viagem controversa. Ao fim de uma hora de conversa percebi que aquele homem tinha nascido para acabar com o apartheid. Disse‑o ao primeiro‑ministro e fiquei contente por ver que não me tinha enganado.

– António Guterres venceu‑o em eleições legislativas. Está hoje no lugar certo?
Fiquei muito feliz por ele e por Portugal. Em termos comparativos, o lugar de secretário‑geral da ONU ficou a ganhar. Guterres tem uma visão do mundo e da vida que pode ajudar muito naquelas funções.

– Já Durão Barroso, que derrotou em congresso do partido e de quem nunca foi próximo, está na Goldman Sacks.
À medida que os anos passam, cada vez me custa mais julgar os outros.

– Como vê o exercício da política hoje?
Muito diferente do que era há trinta anos e o meu perfil adapta‑se menos aos tempos atuais. Helmut Schmidt, homem eclético, exímio pianista, disse uma vez numa entrevista que saiu da política quando começaram a exigir‑lhe que explicasse os problemas da Alemanha em trinta segundos. Hoje, seria incapaz de estar na política. Passou o meu prazo de validade.

– A mediatização frenética assusta‑o?
As pessoas com valor têm muita dificuldade em sair de uma área onde são reconhecidas sabendo que vão passar a ser enxovalhadas e a ter a vida escrutinada, umas vezes com meias-verdades, na maioria das vezes com mentiras. Ninguém é bacteriologicamente puro, pode sempre pegar‑se por uma ponta.

– Como se relaciona com o mundo da blogosfera e das redes sociais?
Não uso Facebook nem Twitter. Resisto.

– Porquê?
Porque prezo muito a minha privacidade. E vejo tanto desmando e loucura que entrava em guerra com toda a gente.

– Como se comporta em guerra?
Não tenho espírito quixotesco nem sou belicista, mas quando acredito numa causa luto até ao fim.

– Matosinhos, década de 1950 [nasceu em 1950]. Quais as memórias mais antigas?
Fiz a escola primária no Colégio São João Bosco, um colégio particular laico. Tenho memórias excelentes dos professores.

– Que menino era?
Sereno, bem-comportado.

– Pai motorista e a mãe doméstica, três irmãos mais novos. Foi o primeiro da família a estudar?
Fui o primeiro a completar o liceu e, claro, a universidade.

– Como era Matosinhos nessa época?
O meu pai transportava peixe. Lembro‑me de ser inverno, ver os pescadores entrarem mar dentro para trazerem três cabazes de peixe e pensar «como é possível, com este frio?» Chocava‑me muito.

– Que mais guarda desses anos?
O cheiro das rabanadas, o quarto pequenino partilhado com o irmão, os tempos passados no verão na praia de Matosinhos e algumas, poucas, fotografias

– Foi andando de norte para sul – primeiro para o Porto [1961, para o Liceu Rodrigues de Freitas], depois para Coimbra [1969,Faculdade de Direito] finalmente para Lisboa [primeiro governo de Cavaco Silva].
Em Coimbra, ainda fiz greves aos primeiros exames. Sendo bolseiro da Gulbenkian fiquei um pouco preocupado, mas não deixei de ser solidário com o movimento. Foi uma época entusiasmante. Lembro‑me De assistir a concertos maravilhosos do Paredes, do Adriano Correia de Oliveira e, claro, do Zeca Afonso.

– Termina o curso em 1974, com 17 valores. Como viveu os anos da revolução?
Foi uma época em que o MDP e o PCP dominavam. Eu acreditava na pluralidade e, portanto, já assistente, senti necessidade de intervir. Foi a fase de delegado sindical, embora não tivesse qualquer vocação.

– Seria um sensato interlocutor?
Diria sereno.

– Porque escolheu Direito?
Porque acreditava na lei e em fazer justiça.

– Ainda acredita?
Enfim, com menos entusiasmo do que nesses jovens anos.

– Direito e política sempre estiveram ligados. Quando percebe que será esse o caminho?
Durante o curso, nunca. Na altura, o meu desejo era seguir a magistratura. Quando, no final, fui desafiado para ser assistente passei a achar a carreira académica não só possível como interessante. Ainda fiz o estágio em advocacia e acompanhei meia dúzia de casos mas apenas por experimentalismo. De facto, se não tivesse sido a política teria tido uma carreira académica.

– À política acabaria por se juntar a banca. Se os políticos não andam com boa imagem, a dos banqueiros também não está boa.
É verdade. A fama deteriorou‑se, sobretudo nos últimos dez anos. Como tudo. Antes, eram pessoas prestigiadas. Mas todas as generalizações são injustas. Há exceções.

– Que lhe trouxe a banca de novo?
Saí da política sem compromissos com ninguém. Regressar à docência não era opção e trabalhar numa empresa do Estado também não. Sempre achei que é importante separar bem as águas. Tinha então duas alternativas: integrar um grupo económico ou um gabinete de advocacia. Dois dias depois de ter terminado todas as funções políticas, recebi de Jardim Gonçalves um convite para almoçar. Já à sobremesa, disse‑me que gostaria muito de me ver no grupo. Pedi 48 horas para pensar. E assim recomeçou a minha vida profissional. Aprendi muito – e eu gosto de aprender. Gostei muito de ser o presidente de três bancos no exterior – BCP França, Luxemburgo e Angola. Emigrar aos 50 e tal anos revelou‑se uma experiência riquíssima, ganhei mundividência. É interessante: a não ser ter ido para Direito, tudo na minha vida profissional tem sido inesperado. Não pensava ser assistente, não pensava ir para a política, não pensava ser ministro da Defesa – pois se nem sequer cumpri o serviço militar obrigatório. Planeamos a vida, mas a vida não nos deixa levar os planos tal como os traçámos. E por vezes surpreende‑nos.