Famílias felizes e as suas histórias

Notícias Magazine

Não é verdade que todas as famílias felizes não tenham histórias, e as que fazem capa desta edição, de acolhimento, têm de certeza.

Um jornalista é sempre uma espécie de abutre. Debica na miséria, e sai em voo largo, a seguir. Acontece a todos, mesmo aos mais empenhados, mais rigorosos e profundos. Mesmo que não se queira, e que para sempre aquela história que um dia acompanhámos fique marcada na nossa memória.

Há sempre um momento em que estamos mergulhados nela, nos dramas dos que a compõem, sentimo-la na pele, vivemo-la, para a perceber, e até, se calhar, choramos. Há outro momento em que a escrevemos, editamos – e aí o sentimento é bom que se expresse de outra forma, mais comunicacional. E depois há o momento, inevitável, em que a abandonamos – partimos para outra, como se diz nos amores e na vida.

A história fica lá, tendo inevitavelmente sido modificada pela nossa atenção, e pela atenção que fizemos incidir sobre ela. Mas fica lá. A ser vivida por quem lhe pertence. Enquanto nós já estamos em busca da próxima, para também sobre ela fazer incidir os holofotes. Não tem nada de mal. É a vida. Mas é preciso dizer que histórias como as que hoje publicamos na reportagem de capa desta edição merecem não se perder na memória efémera do jornalismo. São as histórias de quem acede a dar um pouco da sua vida estável para tornar melhor a vida de quem foi atraiçoado pelo destino.

Explicando um pouco melhor. Estamos a falar de famílias de acolhimento. Jargão sociopsicológico para famílias que aceitam acolher crianças – vá, menores – que não são delas. Meninos e meninas que foram considerados como estando em risco pelos tribunais e que tiveram de ser retirados do seu meio natural. Não são casos de adoção. Provavelmente algumas dessas crianças nunca serão adotadas, até porque há sempre uma réstia de esperança de que possam voltar para as suas famílias. São casos de acolhimento temporário, enquanto as coisas não se orientam ou enquanto eles não crescem. Mas, enquanto dura esse momento, estas famílias dão-lhes uma – o que é considerada uma boa alternativa à institucionalização, ou o internamento em entidades que recebem jovens em risco.

Portugal é o país da Europa onde há menos menores em risco em famílias de acolhimento. Apesar de a lei e de os técnicos dizerem que esta é a melhor forma de manter as crianças com uma vida estável, dentro do possível da loucura das suas circunstâncias. A lei existe, mas as burocracias e as regras e a falta de meios leva a que a Segurança Social não consiga cumpri-la. Foi isso que o nosso repórter no terreno descobriu. E é também por isso que as famílias que o fazem são ainda mais dignas de nota. Porque não precisam de uma lei para lhes dizer o que devem fazer. A isso chama-se humanismo. E é bom reconhecê-lo, tão afastado que anda de nós por estes dias.

[Publicado originalmente na edição de 13 de março de 2016]