Estamos preparados para Hillary Clinton?

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Uma mulher chega a candidata à presidência americana. Foram precisos 97 anos, depois de o sufrágio ter sido dado às mulheres. Muito tempo para uma luta tão óbvia.

Que assunto tão difícil, este de falar sobre Hillary Rodham Clinton ser a candidata democrata às eleições de novembro nos EUA. Há oito anos, quando ela perdeu para Barack Obama nas primárias, estávamos inebriados com cânticos de mudança, e, diga-se com a verdadeira mudança, um negro a ser eleito na nação onde ainda há cinquenta anos havia leis racistas. Quase não vimos Hillary partir, desistir da corrida, a 7 de junho de 2008, exatamente há oito anos. E não ouvimos com atenção o discurso dela. «Embora não tenhamos sido capazes de quebrar este teto de vidro, mais alto e mais forte, desta vez, graças a todos, ele tem agora 18 milhões de rachas, e a luz que passa, brilhante como nunca, enche-nos com esperança e a certeza de que este caminho será um pouco mais fácil da próxima vez, e que vamos continuar a trabalhar para que o seja. Ainda temos muito para fazer juntos. Já fizemos história, vamos fazer mais!».

Ela disse estas palavras sem mágoa, saiu de campo e a seguir apoiou Obama sem fitas, nas eleições gerais, tendo-se tornado a sua sábia secretária de Estado no primeiro mandato. Depois, escreveu um livro chamado Escolhas Difíceis. E preparou-se para continuar a fazer história, explicando que, para uma mulher, as escolhas são sempre mais difíceis.

Esta semana, Hillary prosseguiu a sua reescrita da história, sendo a primeira mulher candidata à presidência dos Estados Unidos. Há razões para júbilo, como sempre que se faz história. Mas há várias razões que tornam difícil falar deste assunto, agora. Donald Trump é uma delas. É de tão elementar higiene mental e, até, democrática, barrar a sua candidatura, cheia de preconceitos e confusões, cheia de ideias perigosas, lóbis e retrocessos civilizacionais, que a questão de Hillary ser uma mulher se torna evidentemente secundária.

A outra razão é ideológica. Hillary não foi, durante a sua vida, propriamente um modelo inspirador no feminino. Metade da sua vida foi determinada pelos outros, pelos seus interesses, vidas e carreiras, mais do que por ela própria, e, sobretudo pelo que ela podia e tinha capacidade para fazer. Desistiu da sua carreira – que se anunciava brilhante – pela política do marido. Foi primeira-dama, aguentou traições, viveu em segundo plano até o marido sair de cena e ela, só então, brilhar.

Há, também, a questão do contexto. Disse Hillary, esta terça-feira: «Estamos a caminho de quebrar o mais alto e mais forte teto de vidro.» Mas, com tantas mulheres já na liderança mundial, e em tão variadas regiões do mundo, será que ao feito de Hillary se pode ainda chamar quebra do teto de vidro, em linguagem puramente feminista? Porque é que Hillary é mais importante do que, por exemplo, Ângela Merkel – retirando da questão o estilo e outros acessórios?

Não será. Mas poderá vir a ser. A verdade é que foi percorrido um longo caminho. A mãe de Hillary, Dorothy Rodham, nasceu no mesmo dia em que o Congresso americano votou a 19ª emenda, apenas há 97 anos, a que garantiu o direito de voto às mulheres. A mãe de Hillary nasceu num país onde as mulheres ainda não votavam. A filha é candidata à presidência. São anos a mais para uma questão tão óbvia? Talvez. Mas ainda há tanto por fazer… Porque, como uma vez disse a própria numa viagem à China, «os direitos das mulheres são direitos humanos e os direitos humanos são direitos das mulheres».

[Publicado originalmente na edição de 12 de junho de 2016]