Sting: «Penso na morte. Quero estar preparado para isso»

Ontem deu o concerto de reabertura do Bataclan, um ano depois dos atentados que vitimaram 99 pessoas na mítica sala de espetáculos parisiense. Na sexta-feira lançou um novo álbum – o 12.º a solo. Uma conversa exclusiva com o músico britânico sobre a morte, a música que gosta de compor e ouvir, a disciplina e obsessão em escrever canções, a família e muito mais.

Lança um novo álbum a cada três ou quatro anos. Não consegue ficar muito tempo longe de um estúdio, pois não? Aborrece-se?
Eu trabalho por temporadas. Há períodos da minha vida em que escrevo e gravo canções, há períodos em que faço digressões, há períodos que dedico à família. São ciclos. É uma encantadora forma de ganhar a vida. E gosto muito. Se consigo ficar muito tempo longe de um estúdio? Na verdade, não. Eu gosto de fazer discos. Mas o mais importante para mim é surpreender pessoas. O aspecto mais importante da música é a surpresa. De qualquer música, seja minha ou não. Quando eu ouço música, quero ser surpreendido. Quando componho, quero surpreender. Quando escolho o tipo de álbum que quero fazer a seguir, quero surpreender também.

Quando começa a preparar um disco novo, já sabe que caminho vai seguir, que tipo de álbum será? Ou isso só fica claro no final? Como é que foi com este 57th & 9th, que representa um certo regresso ao pop e ao rock?
Nos últimos dez anos tenho feito álbuns que poderão ser considerados… esotéricos. Canções do século XVI com alaúdes, temas com orquestras, canções sobre o inverno. São projetos estranhos, talvez. Impulsionados pela minha curiosidade. No caso deste álbum, eu queria sobretudo fazê-lo rapidamente. Por isso dei-lhe um período de execução muito curto.

Quanto tempo, no total?
Uns quatro meses, no máximo. Acho até que foi menos que isso. Para lhe dar uma noção de frescura e de novidade e energia, gravei-o em Nova Iorque. Não sabia bem o que seria no final, mas queira que tivesse energia. Queria que fosse surpreendente, para mim, para os meus músicos. E para as pessoas que o vão ouvir. Acho que consegui. Creio que as pessoas estão bastante despertas e disponíveis para ele. Foi uma boa estratégia.

Li numa entrevista que não tinha nenhuma canção escrita, quando entrou em estúdio – todos os dez temas do álbum foram escritos naqueles quatro meses. Nomeadamente I Can’t stop Thinking About You, o primeiro single. Estavam mesmo 25 graus negativos quando escreveu a canção?
Não, não era tanto, confesso. Foi um pequeno exagero. Mas estava frio lá fora. E eu recusei-me a entrar enquanto não terminasse aquela letra.

Quanto tempo demorou?
Umas cinco ou seis horas, acho.

Obrigou-se a passar cinco ou seis horas ao frio, a escrever uma canção, até a terminar?
Sim. Não estava autorizado a entrar – por mim próprio. E, bom, trouxeram-me café entretanto [risos].

É uma canção sobre o processo de escrita. Sobre essa obsessão em acabar uma coisa que se começou. Costuma fazer isso? Começar uma canção e terminá-la, a todo o custo?
Esta canção é sobre a caça a um animal esquivo pela neve. Não se vê o animal, não se vê a estrada, não se vê nada. É uma metáfora para essa folha de papel em branco. E eu tenho de me forçar a preenchê-la. A caçar o animal.

E quando não consegue? Quando a canção não sai? Quando falta a inspiração, o que faz? Ou é uma questão de disciplina? Sei que é muito disciplinado e exigente.
Às vezes falta a inspiração, sim. Nessas alturas o melhor é ir dar uma volta. Digamos que a criatividade é uma coisa muito, muito difícil de definir claramente. É muito efémera.

Nunca deixou uma canção por terminar?
Se a ideia original de uma canção não merece o esforço, então eu paro. Se não valer a pena, deixo estar. Mas se tiver uma ideia central que acho que devo explorar, cavar, tentar, então continuo. Sou muito determinado. E disciplinado, sim também. Consigo transformar uma ideia em alguma coisa substancial só pelo trabalho duro.

Quarenta anos a escrever canções dão-lhe essa certeza…
Escrevi muitas canções. Muitas delas são sucessos. Sinto-me bastante confortável no meu ofício.

Lembra-se de algumas canções, suas ou dos Police, que não tivesse terminado quando as começou a escrever, para depois as concluir mais tarde? E que se tenham tornado hits?
As canções estão sempre em desenvolvimento. Estão todas ligadas. Tematicamente ou musicalmente. Linhas de baixo, sequências de acordes… Podem ver-se elementos que são comuns a muitas canções. Ou à mesma canção. No fundo acho que se resume tudo a uma grande canção. Por isso, e respondendo à sua pergunta, sim, às vezes faço isso. Sou capaz de voltar a uma canção, pegar nesta ideia, juntar àquela e encontrar uma coisa nova para fazer. Não há nenhuma canção original. Acredito nisso. Em parte alguma. Estão todas ligadas.

Certo. Entendo isso. Mas as canções de grande sucesso, que fizerem tops, que toda a gente conhece e canta. Foram todas escritas em horas? Com essa disciplina?
Depende. Às vezes demora mais. Às vezes começo uma canção e pode passar um mês até saber como resolver aquilo. Como a terminar. Preciso de distância, por vezes.

A letra vem sempre primeiro?
Não. Nos últimos anos tenho composto primeiro a música. Acredito que a música já tem uma narrativa. Se estiver estruturada corretamente, já está a contar uma história. Tem um princípio, um meio e um fim. Tem um arco narrativo. O meu trabalho é traduzir isso para um personagem. Ou um enredo. É como um escultor, que vê um bloco de pedra e sabe que daqui vai sair um braço, dali uma perna, um nariz, uma boca. É um processo divertido. Às vezes pode acontecer que tenha uma frase e quero trabalhá-la, mas ultimamente tem surgido primeiro a música e depois a letra.

Alguns sucessos seus têm mais de trinta anos. Suponho que se não cantar Roxanne num concerto, o público vai queixar-se.
Sou grato por essas canções. Já cantei Roxanne milhares e milhares de vezes. E de cada vez que canto – e há alturas em que a canto todas as noites – encontro alguma coisa nova. Um detalhe, uma pequena mudança que pode fazer a diferença. E peço aos meus músicos para procurarem essas mudanças também. Seja uma batida ou uma linha de baixo. Faço isto constantemente. Estamos ali para envolver a canção, não para a reproduzir. E os músicos são livres para improvisar, para lançar ideias criativas, dentro do contexto do grupo. É como jazz.

Nunca se cansa de cantar essas canções, esses hits?
As pessoas pagam por um bilhete. Querem ouvir as canções preferidas delas. Eu devo-lhes isso. E depois dou-lhes alguma coisa escondida, alguma coisa menos acessível. E se tudo correr bem haverá um equilíbrio entre o que gostariam de ouvir e o que não estão à espera de ouvir. É a tal surpresa de que falava há pouco.

50 000 foi escrita na semana da morte de Prince [abril 2016]. Mas está também relacionada com a morte de David Bowie, Lemmy Kilmister [vocalista dos Motörhead] e [o ator] Alan Rickman. Já tinha decidido fazer uma canção sobre o tema da morte?
Não me sentei para escrever sobre a morte de algum deles especificamente. Foram tantas mortes, num período tão curto, que comecei a escrever e surgiu este personagem, que podia ser eu, ou alguém como eu, que já viveu boa parte da sua vida, que teve sucesso em palcos e que agora reflete sobre a sua própria vida e o que tem pela frente, à medida que os seus amigos e colegas morrem. E como é que isso o faz sentir. Que filosofia está a aprender com isso, enquanto se vê ao espelho.

«Onde pus a caixa dos óculos?» «Sinto-me um pouco melhor hoje, apesar de o espelho me dizer o contrário.» «Estrelas do Rock nunca morrem, apenas perdem o brilho.» Estes são alguns versos da canção. Escrevê-la serviu de reflexão para si, para pensar na sua vida e no que construiu?
É um tema sobre o qual penso muito. Sempre pensei. Ao longo da minha vida, sempre houve muita morte à minha volta, pessoas de quem gostava que partiram. Penso nisso habitualmente.

Também pensa na sua morte?
A morte é, provavelmente, o assunto mais interessante em qualquer arte. Seja música, literatura, cinema ou outra. E sim, claro que penso na minha morte. Quero estar preparado para isso. Temos de estar. Não quero estar aqui a ser mórbido, mas acho que vivemos uma vida mais rica quando aceitamos isso. Que vamos morrer e devemos estar preparados.

Sente-se preparado?
Sim.

Mas não é um tema que explore ostensivamente nas suas canções. Não navega grandes ondas de luto e dor nas suas músicas.
Não. A música deixa-me alegre. Contente. É uma terapia, para mim.

Viu One More Time With Feeling, o documentário sobre o último álbum de Nick Cave, que estava a ser gravado quando o filho morreu?
Não, não vi o documentário. Mas estou a par da tragédia do filho dele. E não me surpreende que isso tenha influenciado a escrita do Nick.

A morte pode acionar um processo criativo de um artista? A escrever canções, pelo menos.
Os músicos têm a sorte de ter esta espécie de autoterapia que podem fazer perante qualquer situação trágica na vida deles. A música é a nossa forma de lidar com isso. E sou muito grato por isso. Não que eu precise do trauma para ser criativo, mas quando ocorre, é isso que fazemos com ele.

A gratidão é um tema recorrente em si. Nas entrevistas que dá, nas canções que escreve, no que se diz sobre si.
É a emoção mais constante, mais permanente minha vida, a gratidão. Sinto-me muito grato pelo que tenho. Não o dou por garantido. Agradeço-o.


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O jornalista viajou a convite da Universal Music.