
Procuro nervosamente aquela peça. Não é uma peça qualquer. Pelo contrário. É a única que serve aquele contexto. Tenho duas peças prostradas que aguardam pacientemente a terceira que as complete e as ajude na sua missão de pintar um retrato, contar uma história. Reviro o tabuleiro, olho para o monte de cartão recortado que tenho à minha frente com tanta sofreguidão, que mais parece que pretendo hipnotizar o puzzle do que completá-lo.
Sempre gostei de puzzles. Acho que deve ser porque quando os faço estou tão concentrada que não penso em mais nada. Como se estivesse num transe.
Mas, bolas, este puzzle é difícil. Não quer ser completado. Já se viu coisa mais torta do que um puzzle que não se quer completar? As suas peças parecem-me todas iguais: o céu, entre o branco e o azul, a cor da terra e dos montes, aquele castanho barrento a fugir para o vermelho e a estrada, a gravilha, toda igual. Que peças encaixam onde, se não tenho referências?
Procuro uma ajuda externa, fora daquele quadro que está a ser construído. Alguém me ajude, por favor, que isto não avança sozinho e eu não sei por onde começar.
Já consegui pelo menos fazer aparecer-lhe os contornos gerais e até alguma profundidade. Vêem-se os montes, percebe-se a estrada e o céu, nos seus múltiplos tons.
Mas e agora? Falta-me o miolo. A polpa que enche a casca. Ai, se isto dos puzzles for uma metáfora da vida, estou tramada. Não consigo completá-lo. Ajuda Toda-Poderosa dos seres completadores de puzzles, por favor, vem em meu auxílio! Eu tento, tento mesmo. Já dei voltas e voltas às peças, a ver se encaixam umas nas outras, mas acabei às marteladas, porque não cabendo a bem, hão-de caber a mal.
Só que forçar as peças do destino, perdão!, do puzzle, deforma-o, estraga-o, afasta-o do seu plano original. E lá sou forçada a desmanchar o fraudulento encaixe e a lidar com os estragos causados pela minha impaciência.
Continua a tentar, Ana, que um dia hás-de conseguir encontrar a peça que faltava. Aos poucos, vá. A estrada é longa e tem muitas paragens e recomeços. A desistência é que é chata. Temos ali um puzzle que promete acabar numa linda imagem e deixamo-lo assim a meio, sem saber todos os pormenores que nos reserva? A minha curiosidade é maior do que a minha impaciência e decido continuar.
Vou onde me levar a estrada. Assim saiba encontrar a próxima peça.
[Publicado originalmente na edição de 3 de abril de 2016]