Como é possível ainda haver horóscopos nos jornais?

Notícias Magazine

O astrónomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) descobriu as leis que descrevem o movimento dos planetas. E também fazia horóscopos. A esse propósito disse que Deus tinha dado meios de sustento a todas as criaturas e que aos astrónomos tinha dado a astrologia. Nessa altura a astronomia e a astrologia ainda estavam juntas, mas a partir daí seguiram caminhos separados. Uma afirmou-se como ciência, que rapidamente permitiu prever eclipses ou a passagem de cometas com grande exatidão. A astrologia continuou a ser um modo de sustento para os seus praticantes, que vendem os seus serviços inúteis a quem esteja disposto a pagar por eles. É uma falsa ciência baseada na ideia de que a posição dos astros no momento do nascimento define o nosso destino e personalidade. Resta saber como. De todas as implausibilidades, a menos implausível é a gravidade. Mas a força gravítica é proporcional à massa dos corpos (o Sol é gigante e determina o movimento dos planetas no sistema solar) mas diminui com o quadrado da distância. Assim, a força gravítica que o corpo do obstetra exerce sobre o bebé no momento do nascimento é mais forte do que a exercida por Marte ou por qualquer outro planeta (à exceção da Terra). Como afirmou o astrónomo e divulgador de ciência Carl Sagan: «Marte tem muito mais massa, mas o obstetra está muito mais próximo.» E mesmo que houvesse uma qualquer influência da posição dos astros durante o nascimento, ficaria por demonstrar que isso seria determinante para o resto da vida. Já para não falar que as bases astronómicas da astrologia estão atualmente erradas. Por causa do movimento de precessão do eixo da Terra, as zonas do céu em que vemos as constelações ao longo do ano não são as mesmas de quando a astrologia foi inventada. Eu pensava que era escorpião, mas posso ser afinal balança. Dá-me igual e cedo sem nostalgia o meu antigo destino e personalidade aos ex-sagitários. Na realidade tanto faz porque os horóscopos são propositadamente vagos, ambíguos e inconsistentes (experimente ler o seu em várias revistas).

A astrologia é uma pseudociência mas tem um amplo lugar cativo na generalidade dos meios de comunicação, ao contrário da ciência, cuja presença é bem mais intermitente. Como parece improvável que os horóscopos desapareçam em breve, sugiro que ao menos sejam sempre acompanhados de um aviso: «Nada disto tem qualquer fundamento ou influência na sua vida. Não leve os horóscopos a sério e divirta-se.»

PERISCÓPIO

CAMINHOS DO CONHECIMENTO NO TEATRO THALIA, EM LISBOA
A primeira conferência do ciclo Caminhos do Conhecimento, de homenagem a José Mariano Gago (1948-2015), é amanhã a partir das 14h00 no Teatro Thalia, um edifício recentemente recuperado e ainda pouco conhecido do público. Dedicada à cultura científica, contará com intervenções de investigadores e responsáveis políticos. Será apresentado o livro www.marianogago.org e terminará com uma Jam Session. Inscrições em www.cienciaviva.pt/ actividades2010/caminhos.

APESAR DE TUDO, A VIDA É FEITA DE MOLÉCULAS
É o título da conferência que Miguel Castanho, bioquímico e vice-presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, irá apresentar na próxima quinta-feira às 18h00 no Rómulo (www.uc.pt/iii/ romuloccv), em Coimbra.

[Publicado originalmente na edição de 15 de maio de 2016]