Calem-se e deixem-nos pensar

Notícias Magazine

A cada nova polémica há uma nova cacofonia, sem que ninguém ouça os argumentos de ninguém. Ou como os algoritmos impedem a discussão.

Os tempos não estão fáceis para quem quer perceber o mundo. Não porque o mundo esteja mais complexo, mas porque há cada vez mais discursos sobre ele, explicações, ideias feitas que se espalham. Claro que o facto de a comunicação se ter tornado global não ajuda nada. Os tradicionais papéis de comunicador e recetor de mensagens deixaram de ser unívocos. Uns abandonaram o palco – os tradicionais comunicadores – e outros foram para o palco – os tradicionais espetadores. Hoje todos queremos dizer coisas, ter opinião. E podemos tê-la sem que o filtro “social” se imponha. Porque já não existe.

O risco deste novo paradigma é a criação dessa espécie de génios virgens. Eu explico: gente que acabou de chegar a um assunto e julga conhecer tudo sobre ele. A teoria do conhecimento postula que este se divide em várias partes: o que sabemos que sabemos, o que não sabemos que sabemos, o que sabemos que não sabemos e o que não sabemos que não sabemos. Nesta enorme última categoria do que não sabemos que não sabemos reside todo o potencial do conhecimento humano, e também toda a possibilidade da ignorância.

Apesar de toda a aparência de maior acesso ao conhecimento, o problema hoje reside precisamente no afunilar desse conhecimento – algo que fatores como os algoritmos apenas acrescentam. Vamos à internet procurar qualquer coisa e essa pesquisa determina tudo o mais que nos vai aparecer. Carregamos num artigo de forma inocente e, a partir daí, o Facebook inunda-nos com artigos semelhantes sobre o mesmo tema ou com a mesma posição.

Por tudo isto, corremos o sério risco de não sermos confrontados com nada de novo e, voluntária ou involuntariamente, vejamos apenas as nossas opiniões serem reforçadas com outras com as quais concordamos e que concordam connosco. É uma espécie de adaptação do símbolo do macaquinho – não vi nada, não disse nada, não ouvi nada – ao conhecimento.

E de cada vez que nova polémica explode – no ciberespaço e fora dele – acontece o mesmo: começa a campanha de desinformação. Uns puxam para um lado, os outros para o outro. Ninguém ouve o argumento do outro lado, sequer coloca a hipótese de o integrar no seu. E todos, todos, não se coíbem de puxar, normalmente o mais demagogicamente possível, o argumento à sua argumentação.

Seja sobre o aumento de impostos – ou não – previstos no Orçamento, seja sobre a licença de maternidade que se pretende estendida, ou ainda sobre a forma e as razões por que Beyoncé ofuscou os Coldplay no intervalo da Super Bowl. Tudo isto é bastante cansativo – e o sururu acaba por impedir o pensamento sério. Mas talvez seja este mais um dos sinais do tempo… perdido.

[Publicado originalmente na edição de 14 de fevereiro de 2016]