Bach em Óbidos, a festa dos sentidos

Notícias Magazine

O sol estava convidativo mas o que levou aquele grupo de pessoas a Óbidos, no domingo passado, não foi a ginjinha em copos de chocolate, nem as livrarias tão variadas como apetitosas, nem as muralhas com vista para o longe. O prato de substância era Johann Sebastian Bach, tocado por um ensemble da Orquestra Metropolitana de Lisboa na Igreja da Misericórdia. Não serei original se disser que ouvir Bach é uma daquelas experiências que valem mais do que qualquer antidepressivo, um respirar a vida que passa por todos os matizes de sentimentos, alegria, melancolia, exaltação, serenidade. Depois de um belo almoço de comida saborosa e honesta – nada de complicações, sopa de feijão (o cozinheiro desolado porque tinha deixado queimar o fundo, mas a sopinha estava ótima), presunto, pão, queijo, pastelinhos de bacalhau e outras coisas assim boas.

Também não é original a ideia de fazer um concerto numa igreja, mas há que visitar aquela pequena igreja e atentar naquele grupo de músicos da Metropolitana, para imaginar o prazer do concerto. Na maioria jovens, na maioria mulheres, na maioria formados naquelas escolas. Foi assim que começou a temporada da Metropolitana em Óbidos, novidade celebrada no domingo, com papel assinado. Até ao fim do ano, haverá mais cinco concertos e todos eles no Santuário do Senhor Jesus da Pedra – nesta semana ocupado por cerimónias litúrgicas da quaresma. Tem uma longa história, o santuário, aquela construção barroca enorme, fora das muralhas, que se destaca
na planície aos pés da vila histórica. Uma história passada – um devaneio à la D. João V, que por ali andou em tratamentos nas Caldas da Rainha; e uma história futura: precisa de obras urgentes para evitar a ruína. De mão estendida a pedir financiamentos andam os responsáveis da região, mas a proximidade dos mosteiros da Batalha e de Alcobaça tem adiado as atenções. É um daqueles lugares que sempre quis conhecer de perto e que, por preguiça ou falta de tempo, nunca consegui visitar. Ganhei agora cinco oportunidades para ir lá espreitar e, pelo que vi em fotografias e pelas descrições dos entusiastas, fico à espera do dia 8 de abril, data em que a Metropolitana vai lá tocar Ravel, Heitor Villas-Boas e Beethoven. E das datas que se seguem, até novembro.

Já lá vai o tempo em que só se ouvia boa música nas grandes cidades. Hoje temos belos festivais como o Terras sem Sombra, no Baixo Alentejo, que mistura sabiamente música e território. A 2 de abril, uma obra de Rossini – Petite Messe Solennelle – na Igreja Matriz de Santiago Maior, em Santiago do Cacém. E no início de junho, em Castro Verde, depois de um concerto noturno de música africana na Basílica Real de Nossa Senhora da Conceição, há uma jornada que tem o título: Construtores da Paisagem – Acompanhando Uma Jornada de Trabalho de Um Pastor do Campo Branco.

Podia desfiar agora uma lista de acontecimentos culturais que espalham beleza pelo país fora, mas para isso existem ferramentas de pesquisa que cada um pode usar. Fico só com a lembrança de Bach em Óbidos, e no regresso um saco com bolos da Anabela Capinha. Convém pedir-lhe que conte a história da casa enquanto se espera que saia mais uma fornada. A lenha do forno está sempre a arder.

Então o próximo acontecimento é o Festival do Chocolate? – perguntei a Celeste Afonso, a vereadora da Cultura. Olhou para mim espantada com a minha ignorância: «Antes disso temos a Semana Santa, um momento alto no calendário de Óbidos.» Mas não se descansa nesta terra?

[Publicado originalmente na edição de 30 de março de 2016]