As crianças precisam de brincar e outras lições de vida

Notícias Magazine

Uma entrevista clarificadora em que um neuropediatra com experiência nos põe a pensar no que andamos a fazer aos nossos miúdos.

Estamos no meio de mais uma revolução escolar. Currículos novos, menos exames, provas de aferição ainda não bem determinadas. Houve outra vez críticas, professores irados, pais que abanaram a cabeça dizendo que assim não se vai a lado nenhum. Do outro lado, aplausos, júbilos, sopros de alívio.

No meio de tudo isto, os que menos parecem contar, as crianças, os jovens. É verdade que a educação tem sempre o mesmo problema: estamos a preparar de acordo com os nossos cânones gente que vai viver noutro mundo que não é o nosso. É assim, sempre, a educação, anacrónica e futurista ao mesmo tempo. Na melhor das hipóteses tentaremos antecipar necessidades que, por serem do futuro, ainda não conhecemos. E retiraremos, com a mesma boa vontade, os melhores exemplos do que foi o nosso passado. Encontramo-nos aqui, neste vértice do triângulo, num equilíbrio difícil.

Em Portugal, primeiro vieram anos e anos de educação escolástica, muita memorização e pouca compreensão – que era, ao seu estilo, também uma política, e ninguém queria gente pensante num país onde não se podia pensar. Depois vieram os anos da democratização. De algum laxismo, é certo, mas que, entre uns quantos exageros, trouxeram o primado da pedagogia, do aluno, atenção às diferenças e à aprendizagem. O rebate desta onda deu-se com o aumento das exigências, o regresso dos exames, do tem de ser, do tem de saber. Só faltaram as reguadas.

Entre todas estas épocas tivemos greves de professores, discussões de carreiras, chantagens, manifestações, quedas de governos nas quais a imprensa jogou o jogo das partes, esquecendo-se, quase sempre, daqueles que mais estavam postos em causa: mais uma vez, os alunos.

É sobre algumas destas coisas que fala o neuropediatra Luís Borges na entrevista que publicamos nesta semana. O objeto são os défices de atenção e a hiperatividade, diagnósticos mais que estafados, e tantas vezes enviesados, para descrever, pura e simplesmente, miúdos que não se encaixam no sistema rígido que para eles a escola criou. É isso mesmo que explica este médico experimentado: que estamos a criar um pano demasiado rígido, que não deixa que as crianças sejam aquilo que são, crianças. Que elas precisam cada vez mais do tempo que não têm, das brincadeiras que não fazem, do espaço para sonhar e divertirem-se.

«Nesta altura o currículo é que devia encaixar-se na criança, e não o contrário.» Sábias palavras que não deixam de fazer pensar quanto hoje se reflete na escola do mundo neoliberal que criámos. A competição acelerada e o salve-se quem puder. Vejo a diferença entre o ensino calmo e respeitando os nossos tempos dos miúdos da minha idade, e da autêntica tortura a que são submetidas as crianças de hoje, a darem frações antes de saberem contar, a terem de saber o que é um adjetivo antes de saberem bem ler.

Odeio usar a expressão «na minha altura» ou «na minha época». Primeiro pela carga de idade que traz, depois porque, como dizia a Mafaldinha ao pai, num cartoon que não esqueci, afinal, a minha época é esta, é aquela em que vivo. Mas não parece.

[Publicado originalmente na edição de 3 de abril de 2016]