Aquilo em que não queremos pensar

Notícias Magazine

São como barcos à deriva na noite. Existem ainda, podemos vê-los, as fotografias do seu rosto estão bem focadas, mas, ao contrário de nós, deixaram de estar enredados em tudo, deixaram de preocupar-se, dispensam a oportunidade de partilhar mais links, já chega, não precisam de comentar o que toda a gente comenta, não contabilizam o número de likes.

Os amigos do Facebook que morreram continuam na nossa lista. Não tivemos coragem de desamigá-los, apesar de sabermos que aquele perfil já não lhes pertence, que eles já não estão lá. Às vezes, o quadrado com o rosto deles aparece a meio de qualquer caminho prosaico: sugerido quando procuramos alguém com um nome semelhante, quando entramos no perfil de um amigo comum ou por simples capricho da máquina. Entre vídeos de dois minutos, fotografias de alguém na praia e aforismos que podem rimar ou não, esses encontros súbitos lembram-nos que a morte faz parte do mundo.

Às vezes, também pode acontecer que sejamos nós a dirigirmo-nos aos perfis de Facebook dos nossos amigos mortos, sabemos onde encontrá-los. Lá, espera-nos um longo instante, tempo estagnado. O post mais recente que publicaram fala de um tema que o Facebook ultrapassou há muito. Existe uma grande diferença de tom entre esse post, ignorante da morte que se aproximava, e os comentários, póstumos, a lamentarem essa mesma morte. O nosso amigo nunca teve tantos likes e tantos comentários. Demasiado tarde, dirigem-se a ele, tratam-no por tu.

Que post escreveremos nós se soubermos que é o último?

Algum dia chegará essa hora. Espero que não seja novidade para ninguém, não quero ser eu a dar esta notícia aziaga. Algum dia chegará o momento em que todos estaremos mortos, até os mais inocentes, até aqueles que não merecem. Antes disso, no entanto, iremos acumular mortos entre os nossos amigos do Facebook. Se vivermos tempo suficiente, é possível que cheguemos a um momento em que, no Facebook, teremos mais amigos mortos do que vivos. Depois, entraremos também nessa multidão de mortos, perfis baldios, roupas fora de moda nas fotografias. Nesse dia, se olharmos para este instante preciso, acredito que vamos achar que passou pouco tempo entre aqui e lá, entre este e esse momento.

[Publicado originalmente na edição de 17 de janeiro de 2016]