Alameda Turquesa: pés com cabeça

Os sapatos de pompons da Alameda Turquesa conquistaram o mundo. São coloridos, divertidos, luxuosos. Os originais, que andam a ser copiados por aí, são made in Portugal e saíram da cabeça de Carolina e Ana, mãe e filha.

A uma pergunta peculiar – o que é que sapatos de mulher têm que ver com batatas fritas? –, Carolina Santos dá uma resposta ainda mais peculiar: tudo. O futuro dos modelos de pompons da Alameda Turquesa, a marca que lançou com a mãe num momento de inspiração, promete. A modelo Rocky Barnes começou a usar o calçado da dupla neste ano e Anna Dello Russo, a explosiva editora de moda da Vogue japonesa, também é fã. Mas ser doida por batatas fritas ajudou. Fê-la ter um blogue chamado The French Fries seguido no mundo inteiro. E ser assim suculento ajudou a alavancar a Alameda Turquesa, que de repente se tornou viral na internet.

A ideia para o próprio blogue nasceu num lanche de família em 2013, a comer batatas fritas. «Estava no último ano de mestrado, a acabar a tese e já a estagiar no ateliê Castro Calapez Arquitetos. Com um pé na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto e o outro no mercado de trabalho, senti que a criatividade seria mais condicionada nessa nova fase e quis criar algo meu», conta a arquiteta, de 27 anos, criadora de tendências.

No Facebook tinha sempre a conta cheia de mensagens de amigos e de amigos de amigos a pedirem dicas de beleza, viagens, fotografia, design. Menos de um ano depois de lançar o The French Fries, o blogue tornava-se o mais internacional do país, espiolhado por fashionistas, grandes marcas e publicações de moda em todo o mundo.

«O número de seguidores cresceu tanto que comecei a perceber a influência que acarreta.» Um dia, ainda nos primórdios do The French Fries, calhou publicar uma fotografia sua e da irmã Beatriz, enfeitadas com pulseiras de pompons feitas pela mãe, Ana Domingues. «Recebi centenas de mensagens devido àquele presente que ela nos deu. Na altura ninguém usava nada com pompons, foi completamente inesperado», lembra a blogger de lifestyle, vendo ali uma oportunidade de negócio.

Por brincadeira, ela e Ana criaram uma página de Facebook, seguida de outra no Instagram, para vender colares e pulseiras com todos aqueles berloques encantadores.

Dos pulsos e pescoços das senhoras, mantendo sempre a alma da marca, passaram para os pés, em 2014. «A Alameda Turquesa tem uma identidade e isso nota-se. Nunca andámos atrás da maré.»

Além de terem sido as primeiras a agitar o mercado com o seu calçado de pompons – mãe e filha assegurando o processo criativo desde o traço inicial do desenho ao sapato final –, a força do The French Fries fez que ganhassem visibilidade muito rapidamente. «No primeiro mês, com zero publicidade a não ser a do meu blogue, vendemos 500 pares, o que é fantástico.»

Em 2015 excederam-se. Foi esse o ano de confirmação de Carolina como blogger: iniciou um projeto internacional com a Calzedonia para ser caçadora de tendências (a única portuguesa a fazê-lo); colaborou com a Marc Jacobs, Montblanc, Salsa, Tous, Vestiaire Collective, Ritz Four Seasons e outras marcas de relevo; criou um closet com o IKEA para guardar roupa, sapatos e acessórios – o sonho de qualquer mulher. Ao mesmo tempo, a Alameda Turquesa mostrava a sua garra.

«Na verdade, os nossos sapatos existem desde 2014. O boom foi no ano passado, mas só neste ano é que começaram a copiar-nos mais intensamente, também porque houve muitas partilhas da nossa marca na internet», adianta a entusiasta de moda. Ia morrendo de frustração ao ver os seus modelos em lojas asiáticas – basta entrar no eBay para detetar uma série de imitações. Hoje, sente-se apenas lisonjeada: «Os nossos sapatos são objetos de luxo, de qualidade superior, com preços médios a rondar os 300 euros. O nosso público não é o que compra nessas lojas.» Se as imitam, acredita, estão a mostrar que as admiram. «Além de que, quando algo é muito copiado, os bons clientes e as grandes marcas vão querer descobrir a fonte.»

Foi o que fizeram todas as publicações de moda incontornáveis no estrangeiro: Vogue, Elle, Cosmopolitan, InStyle, Glamour, Buro 24/7, Harper’s Bazaar. A elas antecipou-se Anna Dello Russo, a editora de moda da Vogue Japão famosa por ter um apartamento extra para roupa e sapatos: no início deste ano, ao publicar uma foto no Instagram com um colar Alameda Turquesa, acendeu-lhes o rastilho. «A Anna contactou-nos depois para um editorial da Vogue, em maio, e ficou rendida às nossas peças», emociona-se a criativa. Quis ficar com algumas para si. De vez em quando, é vê-la nas redes sociais com os pompons coloridos. «Ter a Dello Russo a usar as nossas coisas é surreal. Só quando fomos contactadas por ela percebemos que se tinha tornado tão sério.»

As viagens de Carolina por Londres, Marraquexe, Mónaco, Treviso, Paris, Sevilha – quanto menos planos e bagagem, melhor – ensinaram-lhe que o mundo não é a preto e branco, nunca o será. Há uma alma em tudo o que nos rodeia. Sobreposição de texturas, linhas que se entrecruzam. Ser arquiteta faz-lhe ver isso com outra perceção.

«Não temos formação na área do calçado, nem em redes sociais, nem em marketing, apesar de sermos a marca nacional de sapatos com mais seguidores no Instagram (mais de 30 mil). Temos é um olhar muito treinado e um desenho apurado», aponta.

Também nunca pensaram embarcar num negócio juntas mas lá estão, cada uma delas uma influência fundamental para a outra: a mãe, a viver em Coimbra na casa da família, tímida a ponto de não se querer mostrar ou falar de si; a filha, a morar no Porto desde que para lá foi estudar aos 18 anos, vistosa e a ditar as modas.

«Usamos muito a cabeça, connosco é tudo espontâneo e orgânico. Nunca procurámos o sucesso voluntariamente, foi ele que veio ao nosso encontro.» Por hábito de arquiteta, Carolina anda sempre com um caderno e uma caneta, mas no processo criativo da marca não precisa deles. «Acho que nos inspiramos na nossa relação e nas nossas conversas. Nos gostos, naquilo que vivemos, olhamos e viajamos. Criamos a partir das nossas experiências», diz. Sentiram a energia a circular-lhes no corpo desde a primeira coleção completa de primavera-verão, marcada pelas sandálias gladiadoras. Ainda neste ano – novidades a seu tempo no site oficial – terão outra de sapatos de inverno com a personalidade vincada de sempre (mais uma a ser copiada em breve).

«Fomos a única marca portuguesa escolhida para trabalhar com a Chiara Ferragni, a blogger mais influente do mundo, com mais de 6,5 milhões de seguidores.» A it girl italiana lançou este ano uma loja de e-commerce agregada ao seu blogue, The Blonde Salad, pedindo a 30 designers que concebessem com ela uma coleção exclusiva. «Estamos ao lado de criadores como Giuseppe Zanotti [que calça Madonna, Charlize Theron ou Beyoncé]. É muito orgulho.» E loja física da Alameda Turquesa, vai haver? «Não queremos», responde, decidida. Já estão nas melhores boutiques de luxo de quarenta países – entre os quais, Itália, França, Alemanha, Reino Unido, Dubai, EUA, Qatar, Polónia –, a par de Christian Louboutin, Gucci, Dolce & Gabbana, Alaïa. «Agora é continuar ao nosso ritmo para chegar a cada vez mais pés por esse mundo fora.»

nm1274_turquesa06

BERLOQUES COM HISTÓRIA
Os dicionários resumem a coisa ao essencial: um pompom é uma borla redonda, ornamental, feita de fios de lã, algodão, seda ou outros materiais que apeteça usar. Para a Alameda Turquesa, é um pormenor decisivo na maravilhosa desordem aparente dos seus sapatos – enfeitados ainda com peças semipreciosas, bordados, corações de Viana e muitos mais detalhes minuciosos que levam quatro horas a aplicar em cada um. Mas ninguém pense que os pompons são só aqueles rabinhos de coelho que se cose nas camisolas das crianças, quando na verdade estão ao nível do próprio coração de Viana em termos de história, cada qual com a sua. Na América do Sul, fazem parte dos trajos típicos de vários países: chilenos, mexicanos, peruanos, bolivianos, todos usam e abusam deles, inclusive para embonecar os animais (os turistas voltam sempre carregados de souvenirs com pompons). Na guarda presidencial grega, mais do que as armas, saltam à vista os tamancos dos militares, com pompons negros gigantes nas pontas. Os hussardos (cavalaria) do exército húngaro exibiam o shako, um capacete com uma borla na ponta que completava o uniforme e acabou por se generalizar, no século XIX, a vários regimentos na Europa e nas Américas. E como no mundo da moda não há limites, diz quem sabe que a última tendência entre as mulheres é pintar as unhas e colar-lhes… pompons, naturalmente.