Afinal, o que é que a escola faz pelos bons alunos?

Nem todos os alunos são iguais ou têm as mesmas necessidades. Uns precisam de ajuda para levantar as notas, outros para as subir ainda mais – e as manter altas. Há escolas públicas que não ignoram a excelência e criam turmas com os melhores alunos, insistem nas disciplinas de exame, focam-se no sucesso. De norte a sul do país, são ninhos que dão asas a quem quer voar mais longe.

Íris é a mais concentrada do 4º B. Olho claro, cabelo louro, vestida de rosa, é das melhores alunas da turma. Não sabe o que quer ser quando for grande. No ano letivo passado fez parte do ninho dos melhores alunos do 3º ano do Fénix, o projeto com ninhos de desenvolvimento do primeiro ciclo ao ensino secundário em escolas públicas, para alunos de baixo e alto rendimento que temporariamente trabalham em grupo e voltam à turma-mãe.

A rapariga de 9 anos estuda na EB1 do Agrupamento Abel Botelho, em Tabuaço, a duas horas do Porto. O pai é agricultor, a mãe trabalha à volta do mel ou nas adegas do Douro vinhateiro e ela demora todos os dias 45 minutos de autocarro até à escola.

A colega, Joice Cruz, 9 anos, tranças no cabelo, vestido preto e olho vivo, gostou de estar no ninho dos melhores alunos que se juntam na biblioteca. «Gosto de fazer fichas com leitura, fazer textos maiores do que os meus colegas.» Vive com a avó em Tabuaço, os pais estão emigrados na Áustria, fala com eles quase todos os dias, por Skype.

Carlos Azevedo, coordenador do Fénix desde que arrancou em Tabuaço, há três anos, conhece bem os miúdos. Depois de os alunos do ninho de recuperação terem superado tão bem as dificuldades, a escola centrou atenções nos outros.

«Começámos com um grupo-piloto que foi para a frente como ninho de excelência.» Os melhores juntaram-se com objetivos definidos: «Fomentar a criatividade, ir mais além em determinadas matérias, construir um saber mais solidificado.» Naquele ninho, havia tempo para fazer coisas diferentes: pesquisar sinónimos de palavras difíceis no computador, escrever redações maiores, olhar para a tabuada e descobrir pormenores, fazer gráficos mais elaborados para apresentar resultados de um inquérito. «Puxam para fazermos as coisas bem», diz Martim Pinheiro.

Igor Barradas quer ser futebolista, está a aprender a tocar bateria e recorda-se da tabuada dos nove e da «técnica de fazer contas sem puxar pela cabeça». Sentia-se bem no ninho. «Fazíamos um pouco mais do que os outros, textos maiores, gráficos maiores.» A mãe ficou orgulhosa quando o filho lhe disse que ia para aquele projeto. «Ele é bom aluno, tem capacidades, e fiquei contente que fosse tratado como tal. Chegava entusiasmado a casa, dizia que fazia trabalhos de puxar pela cabeça.»

Os melhores não podem ser esquecidos. É essa a posição de Berta Amaral, diretora do agrupamento de Tabuaço. «Um dos desafios da escola pública é apostar na qualidade. Os alunos que têm mais dificuldades precisam de nós para terem sucesso e os melhores têm de ser motivados.»

Em Tabuaço, não há olhares de lado. «Ninguém encara os ninhos como medida discriminatória, mas como uma medida que os ajuda a compreender as coisas», acrescenta o professor Carlos Azevedo. O objetivo «é não deixar ninguém para trás: nem os bons nem os maus». Para este ano letivo de 2016-2017, a escola ainda está a avaliar se terá um ninho de recuperação ou de excelência.

O Fénix tem ninhos de excelência em escolas de todo o país. Na EB1 de Afonsoeiro, no Montijo, por exemplo, vinte alunos de duas turmas do 4º ano estiveram num desses ninhos. Teresa Mouzinho, coordenadora do primeiro ciclo do Agrupamento Poeta Joaquim Serra, fala de alunos com competências estimuladas. «Se estão numa turma que não consegue chegar às suas capacidades é natural que se sintam desmotivados.» Os alunos fizeram pesquisas sobre escritores, desenvolveram a oralidade, apresentaram trabalhos. «No bocadinho que estão nos ninhos conseguem ir mais além. Trabalhando com esta metodologia conseguimos que os alunos ganhem autoestima e façam o máximo.»

Mas não é só o Fénix que tem respostas para os bons alunos. A Escola Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, tem um projeto único.

Chama-se Pós-Zarco e, no secundário, tem uma turma em cada ano com os melhores alunos – candidatam-se, as notas contam para a seleção, há uma entrevista feita por professores. Essas turmas têm mais uma hora de apoio por semana a cada disciplina de exame.

David Teixeira é um dos 25 alunos da turma do 12º ano do Pós-Zarco. Os colegas chamam-lhe «pequeno génio» e a alcunha assenta-lhe na performance escolar. Tem 16 anos e média de 19,2 no 11º ano. E um objetivo na cabeça: tirar 20 nas cinco disciplinas do 12º ano. É determinado, aluno de excelência, deverá escolher Engenharia Mecânica quando acabar o liceu. «Os alunos do secundário têm de estudar se querem ter uma boa média.» É o que faz, não em demasia, admite, porque é preciso tempo para sair e divertir-se com os amigos.

A turma de David foi escolhida a dedo, os melhores dos melhores, mas ele garante que não há competição na sala de aula. Há alunos atentos e professores que não precisam de repetir a matéria. «Os alunos estão ao mesmo nível, os professores são muito bons, e é tudo mais fácil. A pressão não é para sermos melhores do que o colega ao lado. A ideia é sermos melhores do que éramos há um mês. Não vai ser o colega da nossa turma que nos vai tirar o lugar na universidade.»

A colega de turma Filipa Ferreira, 17 anos, média de 18,7 no 11º ano, concorda. «Sabemos porque estamos ali, que não é para brincar e, se não sou tão boa a uma determinada matéria, alguém me vai ajudar. Não somos o cliché dos alunos que só estudam.» Filipa quer seguir Biologia e não esquece o que disse na entrevista para entrar no Pós-Zarco. «Eu quero mais e penso que posso ajudar os outros.» O colega João Romano, 17 anos, média a rondar 18 no 11º ano, admite que é facilmente influenciado pelo ambiente à volta. Se não há quem puxe, João, que quer seguir Engenharia Informática, desmotiva-se.

«Não conseguiria ter tão boas notas se estivesse noutra turma, sinto que o meu potencial está mais bem aproveitado do que no 9º ano. Entendemos a matéria quase sempre à primeira e isso dá-nos tempo para refletir.»

David acrescenta mais exemplos: não há interrupções nas aulas, não há indisciplina, a exigência é maior. «É muito raro a professora de Matemática dar-nos uma fórmula, fazemos perguntas até lá chegar, e chegamos lá porque a fórmula acaba por fazer sentido.»

José Vieira é professor de Físico-Química nas turmas Pós-Zarco e participa na seleção dos alunos. «A média de 16,6 no exame nacional quer dizer alguma coisa», diz. O que é diferente nas turmas Pós-Zarco? «A vontade de aprender e trabalhar. Os alunos fazem o trabalho e vão mais além. São empenhados e exigem mais de quem ensina.»

O Pós-Zarco surgiu em 2005 com o lema «diminuir frustrações». José Ramos, diretor da Gonçalves Zarco, esteve na génese do projeto. «Selecionamos os alunos não só pelas notas, mas também pelos objetivos para a vida.» E faz sentido separar? «Faz se os alunos são diferentes.» Igualdade de oportunidades é, na sua opinião, «dar a cada um o que cada um precisa». Não é usar chapa 5. «As turmas Pós-Zarco são diferentes, os alunos não têm a mania que são bons, são mesmo bons.» O diretor está satisfeito: 57% dos alunos do secundário têm média superior a 14 e 70% do básico média superior a 4. A taxa de sucesso é de 95% no ensino básico e 90% no secundário.

Há, porém, reticências nestas separações. Pedro Rosário, professor na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, percebe a vontade de alcançar sucesso rápido quando na sala de aula há diferentes perfis, «a tentação de dividir para tentar controlar melhor a situação, quer para cima quer para baixo». Mas essa divisão, acredita, pode não ser benéfica. «O ideal seria que as escolas não tivessem a tentação de fazer turmas especiais, que podem limitar a convivência e a troca de experiências entre quem tem menos e mais dificuldades. A diversidade é importante. Embora a décalage nas turmas, por vezes, seja tão grande que a partir de determinada altura a convivência parece impossível.»

Para o especialista em psicologia da educação, é preciso ter cuidado para não haver «escolas-hospital e escolas-universidade», que separam consoante o nível de dificuldade ou excelência. «A questão é saber quais as consequências pedagógicas disto.»

Os ajustes devem ter limites. «Estimular todos é dar a cada um o que cada um precisa. Esse é o desafio.» Dar o apoio adequado mas não numa perspetiva disjuntiva.

«Tem de haver janelas para os alunos que precisam de voar e para os que precisam de bater asas a seco, no seu ramo, para colmatar lacunas.»

Em Leça da Palmeira também se separam alunos. Há três anos que o Agrupamento de Escolas Engenheiro Fernando Pinto de Oliveira tem turmas-farol – o farol de Leça é o símbolo do agrupamento – com os melhores alunos do 5º ao 9º ano. Uma turma em cada ano, cada uma com trinta alunos, os que têm as melhores notas no ano anterior e autorização dos pais. São estas as condições do Projeto Farol. No 7º ano, é feita uma nova seleção exatamente nos mesmos moldes.

Os alunos-farol não têm carga letiva extra, aprendem o programa curricular em vigor mas trabalham numa lógica de projeto. Um tema por semestre que os obriga a puxar pela cabeça.

«Os alunos são chamados, várias vezes, a construir conhecimento», diz Jorge Sequeira, diretor do agrupamento. «Há um tema e os conteúdos são trabalhados na lógica de projeto, há sempre um trabalho de investigação e de pesquisa por parte deles.» Não há, assegura o professor, divisões ou turmas de elite. Há também bons alunos noutras turmas. «A título de exemplo, no ano passado, dos trezentos alunos do 5º ano, 150 tinham condições para estar nas turmas-farol.» O projeto é uma forma de responder aos muitos alunos que querem entrar no ensino superior e aos interessados na vida dentro da escola. «A escola tem de dar resposta ao tipo de população que tem e o espírito de competição entre eles é coisa que não existe, há entreajuda, não querem perder colegas.»

Para Joaquim Azevedo, investigador e professor catedrático da Universidade Católica, doutorado em Ciências da Educação, não há uma única maneira de resolver as coisas nas escolas. Há várias e elas devem ser livres, autónomas, responsáveis. Professores e pais devem decidir as práticas mais adequadas. Se um caminho dá resultado e não põe em causa as orientações educativas, então apliquem-se outras possibilidades. «Há escolas que só acompanham os alunos com grande atraso escolar. E os miúdos que ficam ali perdidos no meio?», questiona. Por isso a turma não pode ser o único critério – demasiado administrativo, na sua opinião. «Se um miúdo for muito bom aluno e tem de estar ao ritmo de outros que aprendem com mais dificuldade, está a ser prejudicado. Ao começarmos a trabalhar percebemos que há os que agarram melhor os conceitos e as propostas, que apreendem com muito mais facilidade os conteúdos e podem andar rápido, outros que têm mais dificuldade. E portanto a escola tem de responder a todos.» Como? «Com ritmos diferenciados e grupos diferenciados sem nunca perder a referência da turma.»

FÉNIX: AJUDAR OS ALUNOS NO PAÍS INTEIRO

O Projeto Fénix nasceu em 2007 no Agrupamento de Escolas Campo Aberto, em Beiriz, Póvoa de Varzim, com ideias claras: consolidar conhecimentos e investir no maior desenvolvimento das aprendizagens. Surgem assim os ninhos, espaços que temporariamente recebem alunos com baixo e alto rendimento, do primeiro ciclo ao secundário, para potenciar o sucesso. Neste momento, o Fénix está em mais de 120 escolas, de norte a sul do país, numa média de dois anos de escolaridade por cada estabelecimento de ensino. Desde 2007, cerca de trinta mil alunos usufruíram diretamente do projeto e noventa mil indiretamente – os que ficam na turma acabam por ter outro acompanhamento, acabando também por beneficiar do Fénix. Os ninhos separam temporariamente alunos durante, no máximo, cinco horas por semana, e sempre com regresso assegurado à turma-mãe. Luísa Tavares Moreira, a mãe do Fénix, consultora nacional do projeto, não vê segregação neste modelo. Pelo contrário. «Todos crescem. Não me parece que isso possa segregar.» «Quando voltam ao grupo, os de baixo rendimento já recuperaram as dificuldades que não foram capazes de consolidar no grande grupo. Os de médio e alto rendimento podem ir além do currículo, nas ciências experimentais, na música, em atividades ligadas à criatividade.» As escolas que aderem ao projeto têm autonomia para decidir qual o ninho mais conveniente e podem avançar com os próprios recursos ou pedir apoio. Mas há metas definidas no caso da contratualização com o Ministério da Educação, como reduzir em 15% a taxa de retenção e de desistência e o número de alunos com avaliações inferiores a 4. Se as metas não forem atingidas, as escolas perdem os recursos docentes. As que usem os próprios recursos, definem as metas no âmbito da sua autonomia.