A dieta anticancro existe?

A cruzada individual anticancro começou com o abandono de hábitos nocivos – como o tabaco. Estendeu-se aos rastreios precoces, continuou com a adoção de comportamentos saudáveis – como o exercício físico – e, nos últimos anos, chegou em força à alimentação. Porquê? Porque se estima que 20 por cento dos cancros estejam no prato.

O cancro é responsável por um terço da mortalidade na Europa e é a maior causa de morte a nível mundial, responsável por cerca de 6 milhões de mortes por ano e ultrapassando a sida, tuberculose e malária juntos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já estimou que o número de casos dobra a cada vinte anos. O caso é para preocupações e, por isso, não é de estranhar que se tornem virais todas as novas notícias sobre substâncias que alegadamente «provocam» cancro ou o «previnem». Mas é essencial saber descodificar.

No final do ano passado, um relatório da Agência Internacional para a Investigação em Cancro (IARC) classificou o consumo de carne vermelha como «provavelmente carcinogénico para humanos», e o consumo de carne processada como «carcinogénico para humanos». Isto pôs os apreciadores de carne e enchidos a encolherem os ombros de desconsolo, os vegetarianos a baterem palmas de satisfação e os especialistas com a tarefa de tentarem moderar tanto o pânico como o regozijo, explicando que a escala da IARC não avalia o nível de risco, mas o nível de prova científica que há acerca da existência desse risco. Segundo dados da IARC, já foram avaliadas mais de 900 substâncias desde 1971, e mais de 400 estão identificadas como carcinogénicas para humanos, provavelmente ou possivelmente. A carne vermelha e a carne processada são «só» mais duas.

Mas o tema, mesmo para quem não o dramatizou excessivamente, voltou a colocar na ordem do dia um assunto que desde há anos não sai da agenda: o risco de doença oncológica – como de muitas outras doenças – não está apenas inscrita nos genes, mas também nos nossos comportamentos, os alimentares incluídos. A dúvida é: é possível, através da alimentação, reduzir os riscos de doença oncológica? Com a precaução que o assunto merece, começa a ser relativamente aceite que sim. David Khayat, oncologista francês – chefe do serviço de oncologia sempre no Pitié-Salpétrière, em Paris, responsável pelo Plano Nacional contra o Cancro entre 2002 e 2007 e co-organizador da cimeira da UNESCO contra o cancro – é um dos nomes de peso que acredita que o estilo de vida, alimentação incluída, pode evitar alguns cancros. No seu livro A Dieta Anticancro torna conhecidos os comportamento alimentares que nos são mais favoráveis e aqueles que devemos evitar.

Mas é preciso ir à causa das coisas para perceber onde se pode intervir e ter expectativas realistas. David Khayat sistematiza assim a cartografia de causas de doença oncológica: estima-se que 30 por cento dos cancros estejam relacionados com o tabaco, outros 30 com questões hormonais, mais 5 decorrentes da ação de agentes infeciosos, outros 5 relacionados com fatores físicos, 5 verdadeiramente hereditários quando se herdam genes alterados e outros 5 relacionados com a poluição. Sobram 20 por cento, que Khayat defende que estão no prato. Um conceito que não é estranho à maioria dos médicos e a outros especialistas anticancro: em fevereiro deste ano, o Registo Oncológico Nacional português deu a conhecer um relatório que, entre outros dados, aponta para o aumento de incidência de alguns tipos de cancro, defendendo que na base destas alterações estão os hábitos alimentares dos portugueses. Em declarações à imprensa, a coordenadora do Registo Oncológico defendeu que o aumento de incidência do cancro do cólon, por exemplo, está associado ao aumento de consumo de hidratos de carbono, gorduras e fast-food e diminuição do consumo de verduras e peixe. Os hábitos alimentares no Norte, acrescentou, contribuem para uma maior incidência na região deste tipo de cancro.

É impossível isolar o efeito de um produto alimentar: porque a proveniência do produto é diferente (não comemos a vida toda carne da mesma vaca, nem sequer do mesmo produtor), porque cada produtor usa processos de produção e cultura diferentes (há mais de 25 mil componentes bioativos nos alimentos que consumimos), porque não processamos todos os alimentos da mesma maneira (e a prova disso é que a mesma dieta não é a ideal para fazer emagrecer toda a gente), porque o produto pode ser cozinhado de várias formas, porque pode ser comido juntamente com muitos alimentos diferentes, que interagem de forma também diferente. A complexidade é muita e as generalizações são difíceis, ainda assim, Khayat elaborou uma lista dos comportamentos a evitar e dos a adotar com base nos dados científicos disponíveis sobre o assunto (estudos epidemiológicos, estudos experimentais e estudos de intervenção), juntando-lhes algum bom senso.

OS AGENTES ANTICANCRO E O QUE DEVE EVITAR

10 COISAS A EVITAR
Excesso de espadarte, atum, solha e salmão, excesso de laticínios (nos homens, após os 50 anos), betacaroteno, vitamina E (suplementos), excesso de álcool, de elevado grau, excesso de peso, arsénico (na água que bebemos), sangue contido na carne, ácidos gordos polinsaturados, grelhados e cozinhados no wok.

10 AGENTES ANTICANCRO
Sumo de romã, curcuma, chá verde, vinho, selénio (suplementos), tomate, fibras alimentares, alho e cebola, quercetina (presente nas alcaparras, cacau e pimenta), exercício físico.

(Fonte: A Dieta Anticancro, David Khayat, Casa das Letras)

REJEITE CURAS MILAGROSAS
Circulam de tempos a tempos e-mails e publicações em blogues e Facebook com curas milagrosas para o cancro. Três das mais vulgares são o bicarbonato de sódio, sumo ou preparado de graviola e jejum. Algumas destas alegadas curas partem de descobertas científicas que são depois deturpadas, aumentadas e manipuladas. Outras nem isso…

A HISTÓRIA DO BICARBONATO DE SÓDIO
O ex-médico italiano Tullio Simoncini constatou que muitos pacientes oncológicos tinham aftas causadas por fungos e decidiu, sem estudos que o provem, defender que o cancro teria origem fúngica e poderia ser tratado com bicarbonato de sódio. Foi banido da Ordem e, anos depois, preso.

A HISTÓRIA DA GRAVIOLA
Uma pesquisa no PUBmed (o principal repositório de artigos científicos da área biomédica) indica que existe atualmente investigação focada nos potenciais efeitos anticancerígenos desta planta. No entanto, nenhum destes trabalhos inclui ainda ensaios em humanos.

A HISTÓRIA DO JEJUM
Algumas experiências com jejum feitas em laboratório com animais (ratos) mostram que este faz que a resistência das células saudáveis à quimioterapia aumente. Neste momento, no entanto, o jejum não é uma prática aconselhada pelo facto de fragilizar mais um organismo já de si fragilizado.

A LER
A Dieta Anticancro, David Khayat, Casa das Letras

A Dieta Anticancro – Um Plano de Nutrição Infalível para Viver Mais e Melhor, Magda Roma, Vogais

AntiCancro, Uma Nova Maneira de Viver, David Servan-Schreiber, Lua de Papel

Alimentação Anticancro, Christine Bailey, Arte Plural

Comer para Vencer o Cancro, Belen Alvarez e Paula J. Fonseca, Lua de Papel