
Tomadas, esquinas de mesas, objetos cortantes, água quente, berlindes enfiados em narinas, peças de Lego engolidas, colegas da creche e do jardim-de-infância que empurram ou mordem, cintos de segurança mal apertados, condutores distraídos. Esses são alguns dos riscos a que as minhas filhas, pequenas, estão sujeitas. Por enquanto. Mas haverá outros. Muitos. E, apesar de não lhes poder almofadar a vida toda, vou tentando minimizar o impacto destas coisas. De uma forma ou de outra, em momentos de maior ou menor fragilidade nossa ou dos filhos, acho que todos os pais – muitos pais – tentam encontrar mil formas de proteger as crias de todas as ameaças possíveis.
Até aqueles filhos que se tornaram violentos, agressivos, mal-educados, provocadores, tiveram, em algum ponto da vida, pessoas que se preocuparam em dar-lhes toda a proteção e mimo a que deveriam ter direito. Certo? Preciso de pensar que sim. Preciso de ter essa garantia, essa certeza, quando leio notícias como a do Diário de Notícias de terça-feira passada, que dava conta de medidas que o governo (e os partidos que o suportam) pretendem levar a discussão para combater a indisciplina nas escolas. Redução do número de alunos por turma, gabinetes multidisciplinares, melhor formação de professores e pessoal não docente estão entre as propostas apresentadas pelo autor de um estudo que analisou as participações disciplinares de cerca de quarenta agrupamentos escolares nos últimos quatro anos letivos. O artigo fala de medidas corretivas e sancionatórias, taxas de incidência, ciclos de ensino, períodos letivos em que ocorrem mais episódios (são sobretudo no primeiro), períodos do dia em que há mais participações (a tarde é terrível), etc. Fala de insultos aos colegas e aos professores, linguagem inapropriada, ameaças de morte, queixas dos pais, lamentos dos docentes.
Sempre que o assunto é escolas e salas de aula e dou por mim a queimar neurónios a pensar nisto tudo, consulto a minha própria perita em educação. A minha irmã mais velha é professora há 36 anos. Já passou por mais de dez escolas e milhares de alunos, do quinto ao nono ano. Já esteve em cidades e ambientes rurais, em escolas de barracões prefabricados e outras recentes, umas em zonas socialmente complicadas, outras em sítios benzocas. Tem a dose dela de participações disciplinares, ofensas de alunos e de pais de alunos. Já chegou a casa transtornada, já pensou mandar tudo às urtigas. Já viu a saúde degradar-se pelo ensino. Já viu o ensino degradar-se. Já a ouvi contar histórias de bonés usados na sala, material que fica em casa, telemóveis que tocam, cadeiras partidas, palavrões. Já foi diretora de turma, já pediu para não ser diretora de turma. E já impediu que um aluno, que entrou numa sala de navalha em riste, chegasse ao colega com quem queria ajustar contas.
Na terça-feira, depois de ler o artigo do DN e enquanto tentava pensar como raio consigo garantir que as minhas filhas não vão, dentro de uns anos, engrossar os números de um qualquer estudo sobre indisciplina nas escolas, consultei a tia delas. «Não vais conseguir impedir nada, Paulinho» (a minha irmã chama-me Paulinho). «Nem as companhias, nem as influências, nem as turmas em que vão calhar. A única coisa que podes fazer é ir à escola quando te chamarem. Mas não esperes que te chamem. Ah, e tenta estar presente.» Só isso? «Acredita se um professor te disser que uma das tuas filhas é indisciplinada. Para os pais, os filhos são sempre perfeitos.» Tratando-se das minhas filhas, sobrinhas da professora que disse isto, claro que acho este cenário impossível. Mas como não vou conseguir controlar tudo, o melhor é estar atento. É a única coisa que posso fazer.
[Publicado originalmente a 20 de março de 2016]