
A questão volta a estar no centro das atenções. Quem é mais feminista, quem diz ou quem mostra que é?
FEMINISMO 1.0
Boss AC era como chamavam a Assunção Cristas, em surdina, fazendo referência ao rapper que tem as mesmas iniciais. A alcunha talvez diga mais sobre a nova líder do CDS-PP do que o discurso morno com que terminou a sua eleição no Congresso do partido. Talvez diga que é «mais forte» e tem o mundo a seus pés, como os versos da canção do rapper cabo-verdiano citados por Adolfo Mesquita Nunes. A ver vamos.
Já não podemos é, na aurora do século xxi, acentuar coisas tão banais como uma mulher estar à frente de um partido. Ou de uma empresa. Os números mostram que temos de o fazer. A realidade do dia-a-dia das mulheres também. Mas temos de escolher não o fazer. Cristas é uma mulher, a segunda à frente de um partido (na verdade é a terceira, mas a segunda em simultâneo). Sim? E então?
Esta escolha deve ser consciente e ideológica, sob pena de termos de continuar a aturar os atavismos que apareceram, por exemplo, durante a cobertura deste congresso. O marido de Assunção foi questionado sobre se era estranho ser «primeiro-cavalheiro», à entrada do congresso. A presença de toda a sua prole e família no recinto teve mais espaço de antena do que as ideias que a trouxeram até ali. Também houve referência às atividades domésticas – coisas sobre a imagem que transmite de ser mãe de família e mulher de trabalho. E textos que começavam com «mãe, mulher», antes de «académica, líder partidária».
Com nada disto tem Assunção Cristas a ver. Ela nunca acentuou a situação – nunca fez, sequer, uma referência explícita ao facto, tal como, na sua carreira, sempre rejeitou as perguntas que a colocavam numa posição de subalternidade quando lhe falavam sobre a família e como lidava com ela. É, por isso, possível que Assunção Cristas faça muito pela condição feminina. Mais até, talvez, do que as feministas mais radicais ou que se assumem como tal. Ela é uma mulher normal, lá está, mãe de família, mostrando o seu lado doméstico, ou, como diríamos nesta primavera marcelista, afetuoso, sem problemas. Isso ajudará a banalizar a situação. Tornará corrente algo que todos sabemos que ainda não é. Para que isso aconteça ela terá de equilibrar-se nesta posição complexa, a de querer ser ela própria, simplesmente. A primeira pessoa para quem, como acontece com todas as mulheres, é perfeitamente natural estar onde está. Uma verdadeira Boss AC.
FEMINISMO 2.0
Não sei se Marcelo Rebelo de Sousa é feminista ou quase, como ele próprio se intitulou. A verdade é que isso tem muito pouca importância. Porque a forma como o novo Presidente se aproxima dos que o rodeiam, sejam homens ou mulheres – se aproxima mesmo, no sentido físico do termo – no fundo mostra que somos todos iguais. Marcelo trata todos por igual. E esse humanismo é a base do feminismo. Demonstrado por atos e não apenas por palavras – como queriam as primeiras sufragistas. Marcelo já era feminista mesmo antes de o ser.
[Publicado originalmente na edição de 20 de março de 2016]