Uma forma honesta de se ser estrela: ao fogão

Notícias Magazine

Na semana passada estive num jantar de lançamento de uma nova espécie de vodka. Foi num hotel de luxo, em Lisboa. Éramos cem, uma sala gigante, uma mesa de gala, com candelabros e flores. E a gente à volta da mesa era aquilo a que o marketing gosta de chamar de líderes de opinião. Jornalistas, bloggers, pessoas da moda, do cinema, o chamado «social», gestores da restauração e da hotelaria, músicos. E não houve mais espetáculo nenhum a não ser o desfilar de sete-pratos-sete com sete-cocktails-sete feitos com a vodka. Sim, a música tocava, mas era mais em barulho de fundo. A conversa que decorria inevitavelmente fluida entre estranhos que ingeriam uma bebida com 43 graus de álcool. Sim, o ambiente era agradável e bonito. Mas o centro das atenções eram as delícias que nos passavam à frente.

No final do jantar, já a noite ia longa e tinha chegado outro dia, o chef e a sua equipa de mais de vinte cozinheiros desfilaram com o anfitrião da festa, o representante em Portugal da Pernod Ricard. E o chef francês Pascal Meynard brilhou com ovação de pé. E eu fiquei a pensar que ser chef é a forma mais honesta de se ser estrela. Ao contrário de outras atividades, um cozinheiro só se torna estrela quando aquilo que ele faz é mesmo bom. E essa qualidade é avaliável por critérios bem menos subjetivos do que noutras áreas. E não, não me venham dizer que gostos não se discutem, porque todos os nossos palatos sabem bem distingui-los.

Bem-vindos ao mundo do estrelato das cozinhas em que os bastidores ganharam honras de palco principal. Faz já uns anos que esta tendência existia nos faróis da gastronomia – França, sobretudo, Estados Unidos porque obviamente, Londres por consequência, Espanha porque houve muito investimento, na Escandinávia, por modernidade. Já no ano 2000, Anthony Bourdain escreveu um livro chamado Cozinha Confidencial em que relatava com crueldade o que se passava entre fogões no competitivo mundo da restauração nova-ioquina.

Em Portugal, mais ou menos nos últimos cinco anos, foi um corrupio de chefs tornados estrelas mediáticas, com nome citado nos jornais e cara reconhecida na rua. É sobre estes bastidores dos bastidores que falamos na reportagem que faz capa nesta semana. Tentamos explicar como se torna um cozinheiro uma personagem. Que parte do trabalho é dele, que parte é relações públicas e marketing? Como têm tempo para cozinhar, estudar e ainda aparecer na televisão? Como se cria uma assinatura? Como um chef se torna notável até para quem nunca experimentou a sua comida?

Todas estas perguntas têm respostas simples e complexas. Um chef é, na base, um artista cujo trabalho se baseia em alimentos. E um cientista cuja descoberta se baseia no trabalho químico e físico do nosso organismo sobre esses alimentos. Esta é a parte simples, por incrível que pareça. Um chef aprende a domar os alimentos para nos saberem melhor. Mas a arte não chega: um chef tem também um líder, alguém que domina uma equipa, da manufatura às relações públicas, tanto da frente do seu restaurante – que, isso sim, é um negócio – até aos que o fazem brilhar. É essa a conclusão principal da nossa história: ser chef e famoso pode ser dos mais merecidas dos estrelatos. Mas é também dos mais difíceis.

[Publicado originalmente na edição de 17 de maio de 2015]