Todos os anos, pelo outono-inverno, escrevo sobre moda

Notícias Magazine

Uma colunista espanhola, desolada por mais uma derrota de Rafael Nadal, passou-lhe um atestado de semióbito: «Ultimamente penso que posar em roupa interior é o ponto de descida dos desportistas, olhem para Cristiano Ronaldo!» Fui olhar para os dois desportistas e as respetivas roupas interiores. Cliquei em «imagens». Por razões que não são para aqui chamadas, consigo perante aquilo manter-me sereno (está bem, um pouco invejoso, mas esse sentimento não costuma toldar-me a apreciação). Segue-se o estudo exaustivo que fiz e as respetivas conclusões.

Em 2011, Rafael Nadal passou a ser o garoto-propaganda da Giorgio Armani. Quer dizer, vestiu as cuecas que até então usava Cristiano Ronaldo. Nadal acabara 2010 em número um do ranking mundial da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais). E, no ano seguinte, já com as cuecas Armani vestidas, o espanhol desceu para o número dois… Teriam as apertadas roupas interiores – boxer shorts, trunks, jockstraps… – esganado de alguma forma os drives e os lobs do canhoto? O maior especialista de sempre em terra batida teria sido vítima do pequeno grão de saibro, incómodo sempre, mas doloroso quando se introduz numas boxer briefs? Seriam hipóteses a ponderar, não fosse a verdade histórica de, com mais cueca menos cueca, Nadal ter voltado a ser o melhor em 2013.

O outro caso em estudo, o nosso Cristiano Ronaldo, chegara a melhor do mundo (Bola de Ouro) em 2008. Até então, conhecia-se-lhe um ou outro tirar de camisola, mas as suas partes pudibundas permaneciam resguardadas para a maioria dos admiradores. Em 2009 e 2010, ele propagandeou-se com as famigeradas cuecas Armani. A verdade é que, nesse último ano, Cristiano Ronaldo nem de fraque e sobretudo apareceu na gala da Bola de Ouro, eclipsado por essas vedetas das ceroulas (presume-se, pelos menos nunca ninguém os viu despidos) que são Messi, Iniesta e Xavi.

Teria o português sido vítima da provável síndrome cuecas Armani? Nunca se saberá, porque ele, se abandonou a Armani, continuou a despir-se, agora com a marca pessoal CR7. E o facto é que, apesar de continuar a expor-se com roupa interior, Cristiano Ronaldo voltou a ser o melhor do mundo em 2013 e 2014. Já hoje, 2015, Rafael Nadal, sexto do ranking mundial, e Cristiano Ronaldo, pouco provável ganhador da Bola de Ouro, não são tão prometedores como foram. Mas pelo dados que referi atrás, não é por nos aparecerem nos anúncios com cuecas Tommy Hilfiger e CR7. Talvez…

Talvez, desacreditada palavra que introduzi num artigo de análise. Ciente disso, para tirar a limpo todas as dúvidas sobre o efeito pernicioso das cuecas na nossa carreira, decidi fazer jornalismo testemunhal. Nos anos 1960, o jornalista John Howard Griffin escureceu-se com mezinhas químicas, passeou-se no Sul da América e escreveu um livro sobre o racismo, Na Pele de Um Negro… Na década seguinte, o alemão Günter Walraff tornou-se célebre pelas suas reportagens clandestinas (o general Spínola foi uma das vítimas)… Fui por aí, pela reportagem-testemunho, para desvendar o momentoso caso das cuecas.

No domingo, fui à praia de Leça com um primo e eu ia com roupa interior discreta. Na areia, medimos os 7,3 metros da baliza e os 11 metros da marca de grande penalidade. Escolhi o futebol, porque fui jeitoso, e não o ténis, em que sou tosco. Também escolhi aquele primo porque vive na mesma rua do Iker Casillas. Com ele à baliza, chutei dez vezes. Na segunda-feira, fui à feira de Espinho e comprei os primeiros thongs da minha vida. Eram de contrafação mas apertados e vermelho-berrante – bons para os selfies que fiz e publiquei na minha conta Instagram. Voltámos, eu (já exposto) e o primo, à praia de Leça. Chutei dez vezes. Tudo somado, antes e depois dos thongs, falhei das vinte vezes.

O que eu quero dizer é que a moda não cura nem é incurável. Oscar Wilde, um dândi, e W.C. Fields, de fato mal passado, estão no meu pódio dos autores de frases elegantes. O outro do pódio é Millôr Fernandes, que dizia que «moda é tudo que passa de moda».

[Publicado originalmente na edição de 18 de outubro de 2015]