Solução para a praga de turistas

Notícias Magazine

A competição entre os jornais portugueses (no caso, o Diário de Notícias e o Público) fervilha que até dói. No domingo passado, o DN titulou: «Obrigaram-me a comer no Ramadão», dizia um terrorista sobre os seus dias em Guantánamo. No dia seguinte, não querendo ficar atrás na crónica de horrores, o Público titulou: «Lisboetas sentem-se cada vez mais acossados pelos turistas». Credo, onde é que os jornalistas vão desencantar tão pavorosas atrocidades?

Sou do tempo em que Coluche, admirável humorista francês, fazia humor negro, assim: «O que faz um etíope quando apanha do chão um grão de arroz? Abre um supermercado.»” Tempos de inocência… Agora, o mundo resvalou ainda mais para o abominável: obriga-nos à insuportável queixa dum terrorista obrigado, vejam lá!, a alimentar-se. Quem já não conseguiu comungar porque no mercado faltou o pão ázimo é que sabe dar valor a tamanhas torturas.

Se isso já era terrível, mais pavoroso foi o caso denunciado pelo jornal Público. Logo na primeira frase, o artigo confirmou a angústia em que vivem os lisboetas: «Não há dia em que não apareçam ofertas no correio de alguns habitantes do centro histórico de Lisboa para que vendam as suas casas.» Abrenúncio, onde é que isto vai parar! Já deve ter havido lisboetas a engolir as chaves da caixa de correio só para não serem torturados com propostas medonhamente altas de compra das casas. Há tempos, a crise financeira mundial começou nos Estados Unidos com o subprime, a falência de bancos porque se emprestou demasiado a quem não pôde garantir o pagamento dos empréstimos. A próxima crise mundial talvez tenha nascido em Alfama, com guitarristas e estivadores a partir para gozar a reforma na Florida, depois de terem vendido as duas assoalhadas nas escadinhas do Beco dos Loios.

Não sem razão Voltaire fez questão de trazer, logo a seguir ao terramoto de 1755, o seu personagem Pangloss a Lisboa. Em Cândido ou o Otimismo, o precetor Pangloss ensinava ao seu jovem amigo as virtudes de «tudo ir pelo melhor no melhor dos mundos possíveis». No fundo, Voltaire era um visionário. Mesmo sem nunca ter assistido a uma emissão televisiva portuguesa de entrevistas a comerciantes portugueses – «então como estão as vendas, neste ano?», «ó meu senhor, no ano passado já foi mau, mas neste ano…» – o filósofo francês conhecia-nos de ginjeira. Os portugueses pelam- se pela desgraça, por isso Voltaire quis contrariar a nossa crença natural. Nós somos sensíveis ao sofrimento por que passam os habitantes de Palmira e Ramadi, fugitivos de cidades tomadas pelas hordas do Estado Islâmico. Mas conforta-nos saber que, pelo menos, os iraquianos e os sírios não são assediados pelo horror dos mediadores imobiliários da Remax.

«Lisboa está na moda e isto é muito negativo para os moradores, pois coloca em causa a sua qualidade de vida (…)», queixou-se, ao Público, Luís Paisana, presidente da Associação de Moradores do Bairro Alto. Será que vão refugiar-se na Cova da Moura? Se calhar, é uma tendência internacional. Se calhar, houve cariocas, fartos de turistas, que abandonaram as suas coberturas no Leblon e em Ipanema e foram para barracas na Rocinha. Azar, nesta favela também virou moda os safaris de turistas…

Então, não há nada a fazer? Há, sim. Para as tragédias que aqui trago através dos jornais, é por outro jornal que resolvo. Há dias, o popular jornal inglês Daily Mail comoveu-se com um drama na ilha grega de Kos, onde têm chegado centenas de sírios, fugidos à guerra. Vindos em balsas a transbordar de homens, mulheres e crianças. Mas não, não foi disso que o Daily Mail escreveu. Escreveu sobre o drama dos turistas britânicos, obrigados a comer em esplanadas, com desgraçados, sentados nos passeios, a olhar.

Eis a solução: importamos nós os refugiados, subimos as balsas pela Mouraria fora e vai ser uma beleza ver a debandada dos turistas que incomodam os lisboetas. Remédio santo.

[Publicado originalmente na edição de 7 de junho de 2015]